A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou recurso nesta quarta-feira (26) para derrubar liminar do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu dois processos contra o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato Paraná, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A decisão do decano travou o julgamento que questiona a conduta de Dallagnol e poderia levar a sua saída da operação.
Dallagnol apelou ao STF após o CNMP agendar a análise de dois processos movidos pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Katia Abreu (PP-TO). Ambos questionam ações adotadas pelo coordenador da Lava-Jato em relação a publicações em redes sociais e supostas condutas de promoção pessoal. Os casos seriam julgados no último dia 18, mas foram retirados da pauta após a decisão liminar do decano.
No mérito, Dallagnol pede que o Supremo tranque os dois processos por não respeitarem o seu direito de defesa.
A AGU, no entanto, discorda das alegações do coordenador da Lava-Jato. O órgão aponta que Dallagnol teve todo o direito de se defender no processo, inclusive foi "adequada e oportunamente intimado" de todos os atos processuais.
"Foi oportunizado ao autor o integral acesso aos votos divergentes dos conselheiros Dermeval Farias e Lauro Nogueira, tendo sido deferida, inclusive, a renovação do prazo para apresentação de defesa prévia", apontou a AGU. "Nessa linha, resta evidente a ausência de prejuízo ao autor".
A AGU alertou que a suspensão do julgamento pode levar à prescrição dos casos. O prazo máximo para o CNMP aplicar punição contra Dallagnol se encerra em pouco mais de duas semanas, no dia 10 de setembro.
Nesta terça (25), o CNMP julgou pedido de providências apresentado pelo ex-presidente Lula contra Dallagnol pelo famoso Power Point apresentado pela Lava-Jato em entrevista coletiva concedidas em setembro de 2016. Por oito votos a dois, o Conselhão arquivou o caso por prescrição — a ação tramitava no CNMP há quatro anos e foi adiada mais de 40 vezes.
As duas ações questionam a conduta de Dallagnol em relação à publicação nas redes sociais e supostas atitudes de promoção pessoal. O processo aberto pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) acusa o coordenador da Lava Jato de supostamente influenciar as eleições para a presidência do Senado no ano passado, quando Dallagnol fez publicações críticas a Calheiros, que disputava o cargo, nas redes sociais. A disputa foi vencida pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).
O caso apresentado pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), por sua vez, questiona o acordo firmado pela Lava-Jato Paraná com a Petrobras para destinar R$ 2,5 bilhões recuperados pela operação e que seriam geridos por uma fundação dos procuradores.
Ao suspender as ações contra Dallagnol, Celso de Mello apontou que a remoção de um membro do Ministério Público "deve estar amparada em elementos probatórios substanciais" e em processo com "o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa".
"Sabemos que regimes autocráticos, governantes ímprobos, cidadãos corruptos e autoridades impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática temem um Ministério Público independente, pois o Ministério Público, longe de curvar-se aos desígnios dos detentores do poder — tanto do poder político quanto do poder econômico ou do poder corporativo ou, ainda, do poder religioso —, tem a percepção superior de que somente a preservação da ordem democrática e o respeito efetivo às leis desta República laica revelam-se dignos de sua proteção institucional", escreveu Celso de Mello.
Ficha limpa
Na semana passada, o ministro Luiz Fux decidiu que uma advertência aplicada contra Dallagnol não deveria ser considerada no julgamento dos processos no Conselhão. Na prática, a liminar "limpa" a ficha do procurador da Lava-Jato, dando uma espécie de garantia de "bons antecedentes". O CNMP leva em consideração punições passadas aplicadas aos procuradores e promotores que respondem a processos no órgão.
Dallagnol recebeu a advertência em novembro de 2019 por oito votos a três. O procurador foi punido pelo Conselhão por afirmar em entrevista de rádio que três ministros do Supremo Tribunal Federal formam uma "panelinha" e passam para a sociedade uma mensagem de "leniência com a corrupção".
Além de limpar a ficha de Dallagnol no Conselhão, a decisão de Fux foi vista nos bastidores como um prenúncio de uma nova gestão no Supremo, quando o ministro se tornar o presidente da Corte em setembro deste ano. Simpático à Lava-Jato no combate à corrupção, Fux ocupará a cadeira do atual presidente, ministro Dias Toffoli, que integra a ala que impõe reveses à força-tarefa desde 2017.