O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira (10) o prosseguimento da investigação de uma rede de disseminação de notícias falsas e ameaças a ministros da corte, o chamado inquérito das fake news, que incomoda o presidente Jair Bolsonaro. São suspeitos de integrar o esquema deputados, empresários e blogueiros bolsonaristas, que foram alvo de operação policial no dia 27 de junho. O inquérito foi aberto em março de 2019 como resposta do Supremo a críticas e ataques crescentes nas redes sociais.
Desde o início, porém, a apuração foi contestada por juristas e políticos por ter sido instaurada pelo presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, de ofício — ou seja, sem provocação da Procuradoria-Geral da República (PGR). A escolha do ministro Alexandre de Moraes para relatar o caso sem sorteio é outro fato questionado.
A tendência é de que o plenário autorize a continuidade do inquérito. Uma ala da corte argumenta em conversas reservadas que, nesta quarta, o STF deve apenas declarar constitucional a portaria que instaurou o inquérito. Há outro movimento interno no tribunal, contudo, que defende atender, ao menos em parte, os pedidos da PGR de ajustes na condução do caso. Isso porque, apesar de entenderem que o Supremo pode iniciar apuração sem pedido do órgão responsável por tocar investigações, é consenso na corte que a apresentação de denúncia é competência exclusiva da Procuradoria.
Assim, seria importante fazer sinalização em direção ao procurador-geral, Augusto Aras, que tem a missão de pedir ou não a abertura penal contra pessoas com foro especial e de enviar ou não à primeira instância situações de cidadãos comuns. Dependerá de Aras, portanto, que haja consequências práticas para os responsáveis por atacar e ameaçar os ministros.
Desde que foi instaurado o inquérito, Toffoli procura o momento mais favorável para levar os questionamentos ao plenário sem risco de derrota. A oportunidade, na visão do presidente da corte, surgiu depois de o STF demonstrar união incomum para dar resposta às investidas de Bolsonaro, que criticou a operação autorizada por Moraes contra bolsonaristas e até ameaçou descumprir decisões judiciais.
Assim, apesar de o caso ter sido alvo de duras críticas internas, a avaliação é de que prevalecerá a necessidade de demonstrar força para impedir a ofensiva do presidente. E o conjunto de ministros julgar constitucional o ato mais contestado de sua gestão à frente do Supremo é visto por interlocutores de Toffoli como imprescindível para a entrega do comando da corte ao ministro Luiz Fux, em setembro, com saldo positivo.
Toffoli pretende que a caça aos responsáveis por atacar o Supremo e seus integrantes fique como uma marca da sua presidência no tribunal. O ministro fez diversos movimentos nesta semana a fim de respaldar a atuação do STF.
Primeiro, recebeu carta assinada por todas as associações nacionais de magistrados, de integrantes do Ministério Público, da Polícia Federal e diversas entidades da sociedade civil. Depois, recebeu carta de apoio ao STF de deputados e senadores de oposição a Bolsonaro. Assim, ficou claro que até grupos políticos críticos ao inquérito das fake news passaram a apoiar a iniciativa.
Nesta quarta-feira (10), por exemplo, será julgada ação da Rede Sustentabilidade que pediu a extinção do inquérito nove dias após sua abertura. Depois da operação contra bolsonaristas, porém, o partido recuou e disse que, embora tenha apresentado "inquietantes indícios antidemocráticos" no começo, a investigação "se converteu em um dos principais instrumentos de defesa da democracia".
As contestações não partiram só de políticos e juristas. Inicialmente, até colegas da corte questionaram internamente a decisão de Toffoli. O ministro Marco Aurélio chegou a fazer críticas públicas e disse que o limite do presidente do tribunal diante de possíveis crimes seria "oficiar o Estado acusador, que é o Ministério Público".
Uma ala do STF sustenta reservadamente que, com ajustes, os ministros ficariam mais confortáveis para permitir o prosseguimento das investigações. Ministros chegaram a defender, nos bastidores, que seria um gesto importante de Moraes anunciar no plenário, de antemão, impedimento para julgar futuras ações judiciais relacionadas ao caso, uma vez que participou diretamente da produção de provas. O magistrado, porém, tem sinalizado que não fará esse movimento. O argumento é que, pela lei, o juiz só pode se declarar impedido dentro do próprio processo, e não de maneira genérica.
Outro alvo de discussão entre ministros nos bastidores é o pedido do procurador-geral para que haja uma delimitação mais precisa do objeto das investigações. Em memorial encaminhado ao STF, Aras criticou o que chamou de "exorbitância" em relação ao alvo das investigações.
Inquérito específico sobre caso Weintraub
Aras também pede que o inquérito seja desmembrado, com abertura de outro específico para apurar a declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de que mandaria todo mundo para a cadeia, "começando pelo STF". Ele ainda requer uma investigação em separado contra o chamado "gabinete do ódio", citado na decisão de Moraes. O gabinete é tutelado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), suspeito de envolvimento no esquema das fake news. Três servidores da Presidência foram mencionados no despacho de Moraes.
Um temor do governo é que as provas colhidas pelo STF sejam compartilhadas com as ações no Tribunal Superior Eleitoral que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.