BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril deve gerar novas frentes de investigação contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ministros do governo.
A avaliação é de investigadores da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR), ouvidos reservadamente pela reportagem, que apontam os ataques do ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao STF (Supremo Tribunal Federal) como uma causa inevitável de apuração.
Outro alvo deve ser o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele defendeu na reunião no Planalto que o governo federal aproveitasse a crise do novo coronavírus para aprovar reformas infralegais, incluindo alterações ambientais, sem o devido controle social.
Segundo pessoas ligadas às investigações, a existência de um sistema paralelo de informações, citado por Bolsonaro na reunião para cobrar ministros da área, deve gerar um filhote do inquérito que apura a intervenção do presidente da República na Polícia Federal apontada por Sergio Moro ao deixar o governo.
O propósito seria o de apurar se o mandatário recebia dados sigilosos de uma rede de informantes extraoficial, alheio a órgãos como a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), ou se contava com um aparato clandestino para espionar pessoas.
"O meu [sistema] particular funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma [sic]", disse o presidente na reunião.
A possível existência de um núcleo privado de inteligência a serviço do presidente veio pela primeira vez à tona no ano passado na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News.
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou que ouviu a história do ex-ministro Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência no começo do governo.
Bebbiano confirmou o relato no dia 2 de março em entrevista ao programa Roda Viva. Duas semanas depois, o ex-ministro morreu de infarto aos 56 anos.
Na reunião, Bolsonaro admite seus canais privados de informação ao reclamar que não iria esperar "foder" a sua família ou amigos "de sacanagem".
"Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho", reclamou o presidente.
O ministro do STF Celso de Mello reservou um capítulo específico da decisão para criticar a "descoberta fortuita de prova da aparente prática, pelo ministro da Educação, de possível crime contra a honra dos ministros do STF".
E determinou a entrega de cópia integral do vídeo aos colegas de Supremo para que possam "adotar as medidas que julgarem pertinentes" em relação à declaração de Weintraub de que, por ele, botaria "todos esses vagabundos na cadeia, começando pelo STF".
O decano do STF fez questão de transcrever as palavras de Weintraub e classificou o discurso como "gravíssimo" e "aparentemente ofensivo ao patrimônio moral" dos integrantes do Supremo.
Ele também ressaltou que, apesar de este não ser o objeto do inquérito em que proferiu a decisão, "a prova penal daí resultante reveste-se de plena eficácia jurídica".
Neste sábado (23), o líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), anunciou que entrou com uma ação no Ministério Público Federal contra Weintraub. A representação pede que sejam investigados os crimes de responsabilidade e contra a Lei de Segurança Nacional em relação às declarações contra o STF.
Os investigadores avaliam que ainda há a possibilidade de uma série de ações na esfera civil contra ministros.
Um dos questionamentos seria contra as declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
No vídeo, ele ressalta que é hora da edição de medidas de desregulamentação e simplificação, uma vez que os veículos de imprensa estão, neste momento, concentrados no combate à pandemia de Covid-19.
"Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", disse.
Um dos caminhos apontados por investigadores é rever as ações ambientais durante a pandemia.
Durante a crise sanitária, os alertas de corte raso de floresta feitos pelo sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), apresentaram um aumento 64% no desmatamento em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Foram derrubados 405,61 km² de floresta entre 1º e 30 de abril, ante 247,39 km² de 2019.
Bolsonaro e os ministros também poderão sofrer questionamentos de governadores e prefeitos em relação aos ataques feitos durante a reunião.
O presidente da República xingou os governadores do Rio, Wilson Witzel (PSC), e de São Paulo, João Doria (PSDB), e atacou o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB).
Nos bastidores, o risco de uma excessiva judicialização, tanto na área penal como civil, com eventuais objetivos políticos, era um dos argumentos usados pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, a assessores ao justificar o pedido para que o vídeo da reunião não fosse divulgado.
Em parecer, Aras defendeu apenas que apenas alguns trechos da agenda presidencial fossem tornados públicos.
Na sexta (22), o procurador-geral informou em nota que só vai se manifestar nos próximos dias, após assistir à íntegra do vídeo.
A divulgação do vídeo confirmou os indícios de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, embora não tenha revelado novos elementos para o caso.
Inquérito em curso no Supremo apura se, ao tentar nomear pessoas de sua confiança em postos-chave da corporação, entre eles o comando da superintendência no Rio de Janeiro, Bolsonaro buscava ter acesso a investigações com potencial de atingir seus parentes e aliados.
As falas do presidente no encontro foram citadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como evidências da suposta ingerência, após seu rompimento com o governo.
Num dos trechos do vídeo, Bolsonaro, de fato, cita "PF" (sigla de Polícia Federal) num contexto de insatisfação com a falta de informações de inteligência. E relaciona o órgão entre os que seriam objeto de sua interferência, incluindo ministérios.
"Tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção", declarou. "Não posso ser surpreendido com notícias. Tenho a PF que não me dá informações. Tenho as inteligências das Forças Armadas, que não tenho informações. Abin tem os seus problemas", prosseguiu.
Bolsonaro em seguida criticou o serviço de informações do governo, dizendo que todos "são uma vergonha". "Não sou informado! E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma... uma extrapolação da minha parte. É uma verdade."
Em outro momento da agenda, ocorrida no Palácio do Planalto, o presidente fala de seu interesse em trocar equipes de segurança no Rio para não prejudicar seus parentes e aliados.
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira", bradou.
Em entrevista no Palácio da Alvorada após a divulgação do vídeo, Bolsonaro confirmou que tinha preocupação que algum filho seu fosse alvo de busca e apreensão e disse que pediu a ajuda de Moro para impedir isso.
O ex-ministro alega que essa declaração foi outra pressão por mudanças na PF.
Bolsonaro, contudo, sustenta que se referia naquele momento à troca de equipes do Gabinete de Segurança Institucional, responsáveis por proteger seus familiares.
Dois dias depois do encontro com os ministros no Palácio do Planalto, no entanto, foi o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, quem o presidente demitiu. Isso levou Moro a deixar o governo.
O primeiro ato da nova gestão do órgão foi trocar o superintendente da corporação no Rio.
No âmbito do inquérito, já foram ouvidos Moro e investigadores que relataram as pressões do presidente pela dança de cadeiras na PF.
A pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), também vai prestar depoimento o empresário Paulo Marinho, pré-candidato do PSDB à Prefeitura do Rio.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada no último dia 16, Marinho disse que a Operação Furna da Onça -que revelou suspeitas sobre um ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e acabou envolvendo o filho do presidente num esquema de "rachadinha" de salários- foi adiada em 2018 para não prejudicar a eleição do mandatário.
Afirmou também que a investigação foi vazada a Flávio por um delegado antes de ser deflagrada.
A partir do depoimento, a PGR vai avaliar se o caso tem conexão com as denúncias feitas por Moro e se, por esse motivo, deve ser investigado no mesmo inquérito. Em outra hipótese, pode solicitar que a apuração corra separadamente, inclusive em outra instância, que não o Supremo.