O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira (15) que, na reunião ministerial de 22 de abril, tratou de interferência em órgãos de segurança do governo por conta de insatisfação com sua proteção pessoal. Ele negou que tenha falado em ingerência na Polícia Federal (PF) para ter acesso a relatórios de inteligência. No entanto, gravação do encontro entregue pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF) indica que o mandatário se referia à ingerência na área de inteligência da corporação.
— Eu não vou me submeter a um interrogatório por parte de vocês (repórteres). Eu espero que a fita se torne pública, para que a análise correta venha a ser feita. A interferência não é no contexto da inteligência não, é na segurança familiar. É bem claro, segurança familiar, eu não toco na palavra PF, nem Polícia Federal, na segurança... — declarou Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada.
De acordo com o presidente, quando disse na reunião de abril "por isso vou interferir, ponto final", ele estava se referindo ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ministério comandado pelo general Augusto Heleno e que é responsável por sua proteção.
Apesar de dizer que tratou de interferência na parte da sua segurança pessoal, a transcrição entregue pela AGU traz a palavra PF num contexto de insatisfação com a falta de informações de inteligência.
"Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não tem informações; a ABIN tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento etc. A gente não pode viver sem informação (...). E me desculpe o serviço de informação nosso é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade" disse Bolsonaro na reunião do dia 22 de abril.
Na rápida entrevista de coletiva de imprensa na manhã desta sexta (15) em frente ao Alvorada, Bolsonaro exibiu cópias das manchetes dos principais jornais do país e reclamou da cobertura feita do inquérito do STF originário das acusações de seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Ele disse por mais de uma vez que não responderia a um interrogatório dos repórteres e se referiu a uma das perguntas feitas por um profissional como "palhaçada".
— Vou botar uma matéria sobre isso nas minhas mídias sociais, para o pessoal guardar isso daqui. Eu espero nos próximos dias, talvez horas, que tudo que eu falei na reunião de ministros (de 22 de abril), todo o vídeo seja exposto — disse, referindo-se à manchete do jornal Folha de S.Paulo que diz "Vou interferir e ponto final, afirmou Bolsonaro sobre PF".
O mandatário foi questionado por jornalistas por que, no início desta semana, garantiu que na reunião ministerial não havia as palavras "Polícia Federal" — o que a transcrição da AGU contradiz.
— Palavra PF, duas letras — respondeu Bolsonaro.
Indagado novamente que a sigla PF se refere a Polícia Federal, Bolsonaro disse:
— Cara, tem a ver com a PF, mas é reclamação PF no tocante aos serviço de inteligência.
Esta frase do mandatário conflita com outro trecho da mesma coletiva de imprensa, quando ele diz que, ao ter declarado "vou interferir e ponto final", se referia a preocupação com sua segurança pessoal feita pelo GSI. Bolsonaro encerrou a entrevista quando os repórteres tentaram perguntar, se considerando que sua insatisfação era direcionada ao GSI, o chefe da pasta, Augusto Heleno, teria se recusado a fazer trocas em sua segurança pessoal.
A transcrição foi entregue nesta quinta (14) pela AGU ao ministro do STF Celso de Mello, relator do inquérito que apura as acusações feitas por Moro contra Bolsonaro. Com as declarações, Bolsonaro insiste na versão de que, em outra declaração transcrita pela AGU, tratou de segurança pessoal, e não da Polícia Federal. De acordo com relato feito ao STF, ele disse que não iria esperar "f." alguém de sua família ou amigo dele para poder tomar providências.
— Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira — disse.
Dois depois dessa reunião, Bolsonaro, de fato, exonerou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o que resultou na saída do ex-ministro Sergio Moro do governo. A primeira medida do novo comando da corporação foi substituir o superintendente do Rio de Janeiro.
A AGU solicitou ao ministro Celso de Mello, relator do inquérito no Supremo, que sejam tornadas públicas todas as declarações do presidente durante a reunião, exceto a "breve referência a eventuais e supostos comportamentos de nações amigas". O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que o STF libere somente os trechos referentes ao inquérito. Enquanto a defesa de Moro defende a divulgação da íntegra do vídeo da reunião. A expectativa é que Celso de Mello decida nesta sexta sobre o assunto.
Além do vídeo, os depoimentos colhidos até agora no inquérito que apura as acusações de interferência de Bolsonaro na PF reforçam a narrativa de Moro após pedir demissão. Oito depoimentos prestados confirmaram a versão do ex-ministro de que o presidente, desde agosto do ano passado, queria trocar o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. E sete acrescentaram o desejo dele de mexer no comando da Superintendência do Rio.
O inquérito, aberto pelo ministro Celso de Mello a pedido do procurador-geral da República, a quem caberá decidir sobre denúncia ou arquivamento, ainda busca informações de possíveis interesses de Bolsonaro em investigações da PF. Se Bolsonaro for denunciado, a Câmara aprovar o prosseguimento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele é afastado do cargo automaticamente por 180 dias.
Os crimes investigados são: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos, e Bolsonaro, nos seis primeiros.