O ex-ministro da Saúde Nelson Teich explicou que saiu do cargo menos de um mês após a posse porque discordava do presidente Jair Bolsonaro em relação ao uso da cloroquina em momentos iniciais do tratamento da covid-19. Apesar das divergências, Teich disse que conversava com o mandatário, “por mais difícil que fosse a conversa”. O médico concedeu entrevista pela primeira vez após deixar o cargo, ao canal GloboNews, na noite deste domingo (24).
— Não houve alinhamento com o presidente. E é ele que decide, ele que é o chefe da nação. Se não há desalinhamento, eu que teria que sair, porque ele que foi eleito, ele não iria sair — justificou Teich, que comentou:
— Quem vai julgar o presidente é o futuro, não sou eu. Meu papel era traçar um caminho. Eu dirigi aquilo e cheguei a conclusão que existiam posições diferentes.
O médico fugiu das polêmicas, evitando comentar ações de Bolsonaro. Ele pediu, como fazia quando ocupava o cargo, pelo fim da polarização no debate das ações do ministério, pois ela “faz mal ao país”. Teich disse que critérios são importantes para adoção de cada medida. Ele citou uma preferência por planejamentos em curto prazo, devido ao desconhecimento sobre a covid-19 e a, segundo ele, pouca informação precisa que o ministério tem à disposição.
— Tem algumas definições que têm que ser muito claras. Serviços essenciais, por exemplo. Não dá pra perguntar para cada um dizer o que considera essencial. Tem que ter uma regra de o que é essencial ou não. Porque senão começa a ser uma questão de opinião pessoal, e isso é muito importante para ser decisão pessoal — comentou, após relembrar o episódio em que foi comunicado por repórteres que Bolsonaro havia incluído atividades como essenciais sem consultá-lo.
Uma das últimas aparições de Nelson Teich como ministro havia sido a apresentação de uma matriz com indicações de níveis distanciamento a ser aplicado em todo país, de acordo com critérios definidos pela pasta.
O médico relembra que no debate sobre isolamento, ele e Bolsonaro estavam alinhados desde sua chegada ao cargo, por ambos não separarem questões econômicas das políticas de saúde. O ex-ministro argumenta que um plano mais amplo e orientado de testagem, como o iniciado pela UFpel, garantiria maior precisão e possibilidades de distanciamento social.
— A decisão de o que fazer cabe às cidades. O que eu faria neste programa da matriz de risco é que a gente caminhasse para um isolamento seletivo. Que a gente mapeasse as pessoas infectadas, os testes iriam possibilitar isso. E aí isola essas pessoas e os contatos dela — defende Teich, ressaltando que o tema deveria ser tratado de forma mais individualizada.
Teich disse que não arrisca uma data para o fim da pandemia e do isolamento, e reconhece que cumpri-lo é “muito difícil, uma mudança radical do comportamento”. Para o médico, “a vida ficou triste” e o problema é aumentado por não sabermos quanto tempo as medidas terão que ser mantidas.
— Quando você é super honesto e diz que não sabe o limite, traz uma angústia sem tamanho— reconheceu, em tom de desabafo.
No encerramento da entrevista, mais emotivo, o médico oncologista prestou homenagem a todos os profissionais de saúde que enfrentam o coronavírus. Ele manifestou otimismo com as pesquisas mundiais e enalteceu o trabalho "incansável" do Ministério da Saúde. Sua palavra final foi de esperança:
— Isso vai acabar em algum momento. As coisas mais difíceis parecem que não vão acabar mas acabam.