O presidente Jair Bolsonaro disse nesta segunda-feira (27) esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa analisar rapidamente as denúncias feitas contra ele pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. Bolsonaro afirmou que Moro deve provar o que disse.
O ministro Celso de Mello, do STF, deve autorizar nas próximas horas a abertura de um inquérito para apurar as acusações feitas por Moro, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.
— O ministro que saiu fez acusações e é bom que ele comprove, até para minha biografia, tá OK? Agora, o processo no Supremo é o contrário, é ele que tem que comprovar aquilo que ele falou ao meu respeito — disse Bolsonaro na porta do Palácio da Alvorada, em Brasília.
— Eu espero que o Supremo Tribunal Federal analise para tirar dúvida. Uma acusação grave que foi feita a meu respeito seria bom que o Supremo decida isso o mais rapidamente possível. E (o ex-)ministro pode apresentar as provas, se ele tiver, obviamente — completou.
Ao anunciar sua demissão na última sexta-feira (24), Moro apontou fraude no Diário Oficial da União no ato de demissão de Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal e afirmou que Bolsonaro queria ter acesso a informações e relatórios confidenciais de inteligência da PF.
Em resposta, ainda no dia 24, Bolsonaro admitiu ter cobrado Moro pela investigação sobre a facada que ele, então candidato à Presidência, sofreu em setembro de 2018, durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). Ao lembrar do atentado, o presidente disse que o ex-juiz da Lava Jato não esteve com ele na campanha eleitoral e que não sabe em quem Moro votou no primeiro turno.
Bolsonaro afirmou que "nunca pedi pra ele (Moro) o andamento de qualquer processo" e que a "inteligência com ele (Moro) perdeu espaço na Justiça". E que pedia sim relatórios atualizados. "(Pedia) quase que implorando informações."
O presidente disse ainda que Moro usou a disputa em torno da manutenção de Maurício Valeixo na chefia da PF para negociar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o que o ex-ministro negou.
Como primeira providência a ser tomada, Aras pediu que o Supremo autorize a oitiva de Moro. Aras afirma que os relatos "revelariam prática de atos ilícitos" por parte do chefe do Executivo. Destaca, porém, que se as afirmações não forem comprovadas Moro pode responder pelo crime de denunciação caluniosa.
O pedido de Aras aponta a eventual ocorrência dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
Nesta segunda, o PT também apresentou notícia crime ao STF, pedindo a investigação das acusações feitas por Moro contra Bolsonaro e vice-versa. Além disso, o partido pediu ao Supremo a investigação da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) suspeita de crimes de tráfico de influência e de advocacia administrativa.
Moro revelou mensagens em que Zambelli oferece ajuda para conquistar uma vaga no Supremo caso ele não saísse do governo Bolsonaro. Os petistas ainda apresentaram ações na Justiça questionando as indicações de Jorge de Oliveira para a pasta da Justiça e de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal.
As acusações de Moro contra Bolsonaro se enquadram como possíveis crimes de responsabilidade, que podem levar ao impeachment, dizem procuradores do Ministério Público Federal e especialistas em direito criminal e constitucional ouvidos pela reportagem.
Crimes de responsabilidade, segundo a legislação, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública. A
pena é imposta pelo Senado contra o presidente da República, ministros ou contra o procurador-geral da República.
Especialistas em direito criminal e constitucional consultados pela reportagem concordam que a ação do presidente de solicitar documentos sigilosos da Polícia Federal, conforme dito por Moro, se enquadra nesta categoria.
Também há consenso entre eles de que o fato de assinatura eletrônica de Moro constar em documento que ele diz não ter assinado, se comprovado, configura crime de falsidade ideológica. Não há consenso, entretanto, se este segundo ato poderia ser considerado também crime de responsabilidade.
Bolsonaro admitiu o erro, e a assinatura de Moro foi retirada da exoneração de Valeixo, que foi republicada em edição extra do Diário Oficial na noite desta sexta-feira. Na medida, é informado que o ato foi "republicado por ter constado incorreção quanto ao original".
Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, tanto a interferência na PF quanto o ato publicado com o nome de Moro evidenciam a possibilidade de crime de responsabilidade.
— Ambas as ocorrências precisam ser devidamente apuradas — diz Nóbrega.