Um grupo bolsonarista que se intitula Soberanistas está causando polêmica ao convocar, via redes sociais, uma semana de "Black Week" pela reabertura do comércio em todo o Brasil, em afronta aos decretos de governadores e prefeitos que restringiram as atividades e declararam quarentena como forma de enfrentar a pandemia de coronavírus. Em vídeos, uma das integrantes do coletivo, identificada como Val Lopes, incita a população a descumprir o isolamento social, sair às ruas e "comprar muito". Ela ainda diz que o movimento será conhecido como a "Semana Bolsonaro".
A convocação do Soberanistas diz que o movimento de reabertura do comércio à revelia das autoridades deveria começar em 7 de abril, ou seja, na última terça-feira. Na página do grupo no Facebook, onde os vídeos com a convocação de Val foram publicados, há uma foto em destaque do deputado federal Eduardo Bolsonaro, terceiro filho do presidente, segurando uma camisa com a estampa da organização.
"Todos os estabelecimentos comerciais, empresariais, prestadores de serviços, autônomos, todas as pessoas que trabalham, devem abrir as suas portas e retornar ao trabalho. Pelo Brasil, todas as empresas vão fazer um grande black friday durante a semana, com os preços lá embaixo. E você, cidadão, saia de casa, vá de carro, coloque a bandeira do Brasil, buzine e compre muito na semana nacional de reabertura do comércio. É nosso direito de ir e vir", anuncia Val.
A Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) disse desconhecer a iniciativa do Soberanistas. "Não temos conhecimento da ação e, por isso, preferimos não comentar a respeito. Estamos em negociação direta com o governador para abrir o comércio, inclusive fizemos um protocolo de saúde", informou a Fecomércio-RS, em nota via assessoria.
Abertura pode resultar em punição na Capital
O artigo 24 do decreto da prefeitura de Porto Alegre, em que foram consolidadas as medidas vigentes durante o estado de calamidade pública causado pela covid-19, lista penalidades para quem descumprir as determinações de fechamento do comércio na Capital: "multa, interdição total da atividade e cassação do alvará de localização e funcionamento, sem prejuízo de outras sanções administrativas, cíveis e penais".
Nos seus perfis em redes sociais, Val faz defesa incondicional do governo Bolsonaro. No último domingo (5), ela pediu no Instagram que os brasileiros seguissem a sugestão do presidente e fizessem um dia de jejum para enfrentar o coronavírus. Recentemente, ela divulgou ter participado de um debate virtual em que os tópicos de discussão eram "a passividade do povo", "profissionais de saúde", "histeria disseminada" e "conspiração contra o presidente". Um dos debatedores anunciados era Maurício Waissman, que, em seus perfis em redes sociais, declara ser coordenador-geral da política nacional de cultura viva da Secretaria Especial de Cultura do governo federal.
Uma consulta ao portal transparência indica que, de fato, Waissman está atuando como cedido no Ministério da Cidadania. Originalmente, ele é servidor da Justiça Eleitoral da Bahia. Segundo dados do Transparência, ele teria sido cedido ao governo Bolsonaro em 19 de dezembro de 2019, menos de um mês depois de admitido no serviço público na Bahia. Waissman também fez publicações em favor da reabertura do comércio à revelia das determinações de isolamento social, replicando postagens de Val e do Soberanistas. Em uma delas, se referiu à pretendida retomada de abertura de lojas como "desobediência civil inteligente", junto de uma foto de Bolsonaro.
Influência de Olavo de Carvalho
Um dos fundadores do Soberanistas é Dawson Canedo Marques, de Minas Gerais. Ele informa, em perfil profissional, que atua desde 2008 como oficial do Ministério Público de Minas Gerais. O Portal Transparência da instituição confirma que ele é lotado em uma cidade do interior mineiro. Marques escreveu, em 2019, um documento para explicar a criação e os fundamentos do movimento. Além de Bolsonaro, o coletivo tem o astrólogo Olavo de Carvalho como grande referência.
"O Soberanistas é e será o movimento coordenado de massas que aplicará letra por letra cada ensinamento do professor Olavo acerca de guerra cultural, luta pelo poder, meios de ação, guerra de linguagem, ocupação de espaços, enfrentamento do estamento burocrático, táticas com efeitos eleitorais e não eleitorais", diz o documento assinado por Marques, que postou vídeos convocando a população para manifestações em 15 de março, quando o presidente Bolsonaro causou polêmica ao se juntar a aglomerações em Brasília.
Em uma conta de WhatsApp divulgada como meio de contato com os Soberanistas, Marques posa à frente de uma bandeira do Brasil Império.