BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), 59, diz que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não pode ser líder de "facção política" e precisa coordenar as ações de combate ao novo coronavírus para todos os brasileiros, e não apenas a seus seguidores.
Ele critica o discurso de Bolsonaro contra as medidas de isolamento tomadas por governadores e afirma que isso atrapalha o trabalho dos gestores. "Isso aumenta o debate político e gera uma conflagração que não era para existir."
Casagrande diz ainda que é um "falso dilema" a ideia de que é preciso equilibrar medidas para fomentar a economia e conter a propagação do vírus. A entrevista foi concedida na última sexta (27) e atualizada nesta segunda (30).
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Pergunta - O governo federal divulgou vídeos na semana passada com uma campanha de que o Brasil não pode parar, e o presidente tem incentivado carreatas que pedem a reabertura dos comércios. De que maneira isso atrapalha suas medidas de isolamento social no estado?
Renato Casagrande - Os movimentos são respeitados por nós. De maneira prática, atrapalha porque há mais pessoas nas ruas e uma pressão para abrir o comércio. E naturalmente um ou outro pode ser que abra, desrespeitando a decisão do estado.
Isso aumenta um debate político e gera conflagração no enfrentamento à doença que não era para existir. O presidente tem de aprender a construir consensos em uma hora de crise. Ele só sabe enfrentar a crise criando outra crise.
O presidente tem estimulado a população a romper o isolamento. O sr. vai ceder a essa pressão? No caso de comércios eventualmente reabertos, o sr. vai impor a força do estado para fechá-los?
RC - Nós não podemos pagar para ver. Na medida em que você incentiva a atividade econômica sem um preparo para o retorno da atividade, sem respeitar o tempo de barreira desse vírus, do contágio, você pode estar, no futuro muito próximo, pagando uma conta com vidas.
Pode estar caminhando em direção a perdas de vidas no Brasil, como aconteceu em outros países. A Itália é um exemplo. Hoje as autoridades reconhecem o erro.
Eu não vou colocar a polícia para ser violenta contra nenhum empreendedor capixaba. Mas cada empreendedor tem de ter responsabilidade com o que está fazendo.
O sr. fechou escolas, comércios (com exceção de serviços essenciais e restaurantes até as 16h) até 4 de abril. Qual o objetivo de estabelecer essas medidas agora?
RC - O primeiro é o trabalho de educação, de consciência, para que as pessoas saibam que a gente vai ter de mudar o comportamento. A educação evita a disseminação e a transmissão do vírus.
Segundo: nós estamos, nesse tempo, estudando como o vírus está se comportando no estado. Em quais regiões ele está se disseminando mais. Isso permitirá que em algumas regiões sejamos mais flexíveis.
Terceira medida é que nesse tempo, de 14 a 21 dias, a gente está contendo o tempo, barrando a disseminação do vírus para preparar leitos de UTI e de enfermaria para suportar a onda de contágio que pode vir.
Enquanto colocava essas medidas em prática, investiu em leitos ou respiradores?
RC - Fora os leitos de UTI que temos hoje, estamos em uma programação para abrir 300 novos leitos de UTI para tratamento de coronavírus.
Não temos respiradores para todos ainda. Por isso é importante a gente barrar a velocidade da doença, para que não haja de uma vez só a chegada de gente pressionando por leitos de UTI. Nosso objetivo é salvar vidas.
Faltam kits de testes no estado?
RC - A gente tem de ampliar o número de testes, nosso laboratório se preparou para isso, mas está faltando kit.
O presidente disse que os governos dos estados vão ter de pagar indenização ao trabalhador por causa das paralisações.
RC - Quem tem de pagar é o governo federal. Ele que tem a capacidade de emitir título, de aumentar déficit, o governo federal tem o poder de fazer essa indenização ao setor produtivo.
O Bolsonaro está falando para seus seguidores, não está falando para a população brasileira. Não tem sido um líder do Brasil, mas dos seus seguidores. É diferente dessa função nobre que tem que exercer um presidente da República.
O sr. acha que ele tenta repassar aos governadores a responsabilidade por algo que deveria ser compartilhado com o governo federal?
RC - Lógico que ele está tentando fazer isso. O nosso apelo, o que pedi a ele e continuo pedindo, é o trabalho conjunto, uma coordenação nacional.
A questão do vírus tem efeito na economia, na saúde, na assistência social. É importante que as pessoas compreendam que temos de ter um governo federal e um presidente que coordene e lidere nossas ações, não que seja um líder de uma facção política.
Ele tem de ser o líder do Brasil em uma hora como essa, trabalhar com a gente. Não dá para fazer toda hora uma guerra, uma conflagração.
O presidente escolheu a economia em detrimento da vida?
RC - Não é questão de ter escolhido isso ou aquilo. Este é um falso dilema. Você não tem de fazer uma escolha. É lógico que a primeira escolha é sempre pela vida. Duvido que alguém vai escolher a economia pela vida se sua família ou você estiver em perigo.
O que é verdadeiro é que todos nós deveríamos estar envolvidos em um esforço único, e você tem um presidente que acaba trabalhando para dividir a população.
O diálogo com o governo se dá no âmbito dos ministros? Têm dialogado a contento?
RC - Estamos dialogando com o [Luiz Henrique] Mandetta [Saúde] , com o Tarcísio [de Freitas, da Infraestrutura], o Paulo Guedes [Economia]. Estamos conseguindo manter diálogo. Mínimo, mas estamos conseguindo.
O sr. acha que o Mandetta adaptou seu discurso?
RC - Acho que sim, mas acho bom que ele fique. Ele tem conduzido bem [as medidas de enfrentamento], mas fez adaptação do discurso para não ficar com orientação diferente do presidente, até porque ele tinha dado a orientação para nós governadores do jeito que a gente tinha que se comportar.
Voltando ao presidente, o sr. falou que as medidas são irresponsáveis, na medida em que ele incita a população.
RC - Não são as medidas, são as atitudes e o discurso. As medidas que ajudam os estados não são suficientes, mas são boas. Ele precisa complementar.
Mas as atitudes e a postura política dele criam uma dificuldade para que a gente possa ter sucesso nas medidas de contenção do contágio.
Na medida em que ele cria dificuldade, essas medidas podem ser questionados na Justiça? Há algum crime?
RC - Não sei avaliar.
Se o presidente editar um decreto sustando as medidas dos estados, o sr. vai à Justiça? [Pergunta feita nesta segunda (30)].
RC - Não. Achamos que ele tem assumir responsabilidades.
Vocês, governadores, conversaram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na semana passada. Na falta do Executivo, o diálogo com o Legislativo precisa ser reforçado?
RC - Na ausência do Executivo, o Legislativo ganha um protagonismo maior. Tem sido assim agora e foi assim na [votação da reforma da] Previdência, em outros temas.
O presidente está isolado?
RC - Eu não vou dizer que esteja, mas perde consistência política, e isso é ruim para ele e para o Brasil. Não podemos ter um presidente com pouco apoio.
O sr. acha que o presidente termina o mandato?
RC - Não quero apostar em coisas do futuro. Eu estou avaliando o agora. Agora ele tem de tomar cuidado porque o presidente, independentemente da sua posição política, tem que ter apoio político no Congresso e na sociedade.
Ele está perdendo apoio?
RC - Na minha avaliação, está.
Os panelaços são um sinal?
RC - Sim. Ele perde apoio pela forma aguerrida com que enfrenta os assuntos. Isso acaba passando a imagem de uma liderança que não consegue conviver com quem pensa diferente dele.
E o impeachment, o sr. defende levantar essa bandeira?
RC - Não me cabe como governador tratar desse assunto. Os partidos políticos é que têm autonomia para debater o tema.
RAIO-X
Renato Casagrande, 59
Formado em engenharia florestal e em direito, é governador do Espírito Santo pela segunda vez pelo PSB. Foi eleito em 2010 e, em 2014, tentou a reeleição, mas perdeu para Paulo Hartung. Em 2018, ganhou em primeiro turno. Já foi senador, deputado federal e deputado estadual.