BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro pela liderança no combate à pandemia do coronavírus foi transformada em uma prévia da disputa eleitoral de 2022.
Desde a semana passada, João Doria (PSDB) e Wilson Witzel (PSC) têm criticado o que consideram uma letargia do presidente no enfrentamento à pandemia e tem adotado posturas opostas à dele.
Bolsonaro contra-atacou com a edição de uma medida provisória que estabelece como competência federal, e não dos estados, o fechamento de aeroportos e rodovias.
Enquanto Bolsonaro defende que a atividade econômica não deve ser interrompida mesmo diante de um grande risco de contágio, os governadores têm anunciado medidas de prevenção, como a interrupção de serviços não essenciais.
Neste sábado (21), por exemplo, Doria decretou um estado de quarentena de 15 dias em São Paulo, com o fechamento obrigatório de comércios, bares e restaurantes.
A iniciativa foi interpretada no Palácio do Planalto como reação à MP, publicada em edição extra do Diário Oficial.
O texto tem força de lei e efeito imediato. Eu assinei medida provisória deixando claro ser de competência federal, observando critérios técnicos e responsáveis, a definição sobre fechamento, ou não, de aeroportos, rodovias e estradas federais, disse Bolsonaro em redes sociais na noite de sexta-feira (20).
A medida provisória incluiu a previsão na lei 13.979, que dispõe sobre as iniciativas para enfrentamento da emergência de saúde pública com a pandemia de coronavírus.
A MP prevê como serviços essenciais o funcionamento de hospitais e laboratórios, o transporte intermunicipal e interestadual, a distribuição de água, o tratamento de esgoto, serviços funerários, redes bancárias, transporte de carg
a, entre outros.
O texto prevê a restrição excepcional e temporária de entrada e saída do país e locomoção em estradas interestaduais e intermunicipais quando recomendada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Para evitar problemas de abastecimento de alimentos e medicamentos, ela estabelece que, no caso de imposição de uma restrição, a medida deve resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.
Ela garante, por exemplo, a vedação da restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento dos serviços básicos e dispensa de licitação a aquisição de bens e insumos destinado ao enfrentamento da pandemia de coronavírus.
Um decreto também assinado por Bolsonaro prevê como serviços essenciais o funcionamento de hospitais e laboratórios, o transporte intermunicipal e interestadual, a distribuição de água, o tratamento de esgoto, serviços funerários, redes bancárias, transporte de carg
a, a distribuição de combustíveis, o mercado de capitais, entre outros.
O Congresso precisa converter as normas em lei no prazo máximo de 120 dias. Passado esse período, o texto perde validade.
A decisão foi tomada após Bolsonaro ter reclamado a deputados aliados que o objetivo dos dois governadores é tentar desgastá-lo. Ele acredita que ambos querem se aproveitar eleitoralmente dos panelaços promovidos na semana passada contra o governo federal.
As manifestações foram reconhecidas por assessores presidenciais como um dos momentos mais delicados enfrentados por Bolsonaro desde que ele assumiu o Palácio do Planalto. Elas se somaram a uma desmobilização de apoiadores do presidente nas redes sociais.
Na tentativa de demonstrar que tem apoio junto a setores da sociedade na defesa da atividade econômica, Bolsonaro pediu ao presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, que promovesse uma teleconferência dele com empresários de peso.
No encontro, realizado na sexta, Bolsonaro aproveitou para fustigar seus adversários e disse que a postura deles era quase de uma "campanha política".
"Vamos, cada vez mais, botando um freio nisso daí. E aqueles poucos que estão exagerando a gente vai aos poucos também colocando na linha da racionalidade", disse.
Em resposta neste sábado, Doria ressaltou que gostaria de ter um presidente que "liderasse o país" e não "minimizasse o problema
".
"Muito triste que não tenhamos no país uma liderança em condições de orientar e acalmar os brasileiros, tomando as atitudes corretas", disse ao anunciar a quarentena em São Paulo. "Na ausência dessa liderança, governadores e prefeitos estão cumprindo sua obrigação e fazendo o que deve ser feito, aquilo que o presidente não consegue fazer", acrescentou.
Na tentativa de evitar que Doria e Witzel obtenham dividendos eleitorais com a pandemia do coronavírus, Bolsonaro defendeu a auxiliares diretos que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, evite a partir de agora posar ao lado dos dois governadores em eventos estaduais.
Na semana retrasada, Bolsonaro se irritou ao ter visto imagens de Doria ao lado de Mandetta. Após o episódio, Doria fez elogios públicos a Mandetta e afirmou que se arrependeu de ter votado em Bolsonaro.
Witzel, por exemplo, tenta frear a movimentação de viajantes de outras partes do país para o estado do Rio de Janeiro. Ele impôs regras em estradas e aeroportos.
As ações do governador fluminense foram tomadas por decreto. Elas, porém, dependem de aval de agências federais que avisaram que o estado não tem pode decidir sobre o assunto.
Neste sábado, por meio das redes sociais, Bolsonaro informou ainda que o laboratório químico e farmacêutico do Exercito deve ampliar imediatamente a produção da hidroxicloroquina
. A substancia tem sido testada para o tratamento de pacientes contaminados pelo coronavírus.
Com a rápida disseminação do vírus, autoridades sanitárias pedem que a população evite deslocamentos e defendem o isolamento social. Até sexta, o Brasil já tinha 904 casos confirmados. A 12ª morte foi confirmada neste sábado (21).
Na tarde de sexta, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, Bolsonaro minimizou, mais uma vez, a Covid-19.
"Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, não. Se o médico ou o ministro me recomendar um novo exame, eu farei. Caso contrário, me comportarei como qualquer um de vocês aqui presentes", afirmou.
Ainda na tarde de sexta, o tom do embate de Bolsonaro com os governadores já havia subido um degrau.
Em teleconferência com empresários, o presidente havia criticado o anúncio de Witzel de que fecharia as divisas do estado. O governador fluminense decidira também suspender voos para o Rio de Janeiro.
Na conversa com empresários, o presidente disse que o país passará por meses difíceis. Ele pediu ao setor produtivo que não interrompa a atividade econômica.
Segundo ele, o poder público não pode levar pânico à população e é necessário frieza e "cabeça no lugar".
"Aqueles poucos que estão exagerando, a gente vai aos poucos também colocando eles na linha da racionalidade", disse. Uma das primeiras linhas é a MP deste sábado.
Bolsonaro já havia criticado estratégias dos governadores.
"Tem certos governadores que estão tomando medidas extremas, que não compete a eles, [como] fechar aeroporto, fechar rodovias. Não compete a eles fechar shopping, etc, a feira dos nordestinos no Rio de Janeiro, que está para fechar, afirmou Bolsonaro pela manhã, no Palácio da Alvorada.
Doria e Witzel se elegeram em 2018 impulsados pelo bolsonarismo. Eles, contudo, romperam com o atual presidente e hoje são considerados adversários políticos pelo Planalto, além de potenciais rivais na disputa pela Presidência em 2022.
As respostas de Witzel e de Doria foram rápidas.
"São os nossos hospitais que serão impactados, e o governo federal ainda em passo de tartaruga. Só fiz o decreto para que o governo tome ciência das medidas que precisam ser adotadas e, de uma vez, acorde", disse Witzel à GloboNews.
Doria foi na mesma linha. "Nós estamos fazendo aquilo que ele não faz: liderar o processo, a luta contra o coronavírus, estabelecer informações claras, não minimizar processos, compreender a importância de respaldo da informação científica, da área da medicina", afirmou o tucano.