Após insistir em classificar de histeria o estado de atenção nacional no mesmo dia em que o país registrou a primeira morte por coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro disse nesta terça-feira (17) estar disposto a discutir com os outros poderes ações conjuntas de combate à pandemia. Bolsonaro pretende conceder entrevista coletiva na tarde desta quarta-feira (18) ao lado de ministros e, à noite, comandar pela primeira vez uma reunião entre as principais autoridades da República. Os anúncios foram fetios em conversa com jornalistas no portão do Palácio da Alvorada no final da tarde desta terça.
A audiência deve reunir a cúpula de Câmara, Senado, Supremo Tribunal Federal (STF), Procuradoria-Geral da República (PGR) e dos ministérios envolvidos com a luta contra a proliferação da coivid-19. O gesto representa uma mudança de postura de Bolsonaro. Nos últimos dias, parte do espectro político de centro-direita questionou a capacidade do presidente liderar a nação.
Enquanto autoridades sanitárias, prefeitos, governadores e presidentes dos poderes discutiam ações coordenadas, Bolsonaro mergulhava num isolamento político e institucional. Na segunda-feira, ele se recusou a participar de uma reunião com os demais presidentes sul-americanos para discutir iniciativas conjuntas na região, tampouco compareceu a um encontro do ministro da Saúde, Henrique Mandetta, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Nesta terça-feira, voltou a chamar de "histeria" o estado de atenção nacional, reclamou que medidas restritivas adotadas por governadores afetariam a economia e salientou que pretende dar uma festa para comemorar os 65 anos de idade no final de semana.
— Vai ter uma festinha tradicional aqui. Até porque eu faço aniversário dia 21 e minha esposa dia 22. São dois dias de festa aqui — relatou à Rádio Tupi, contrariando orientações de redução do convívio social.
As críticas ao comportamento do presidente começaram no domingo (15), após a participação surpresa nos protestos contra o Congresso e o STF. Ao deixar o isolamento recomendado pelos médicos da Presidência, Bolsonaro não só chancelou bandeiras antidemocráticas como manteve contato físico com 272 manifestantes mesmo após ter viajado com auxiliares que haviam testado positivo para a covid-19. As imagens correram o mundo, deixando estupefatos autoridades sanitárias internacionais.
A reação mais incisiva partiu de Maia. "O presidente da República ignora e desautoriza o seu ministro da Saúde e os técnicos do ministério, fazendo pouco caso da pandemia e encorajando as pessoas a sair às ruas. Isso é um atentado à saúde pública que contraria as orientações do seu próprio governo", escreveu em sua conta no Twitter. Nesta terça-feira, o deputado voltou a cobrar atitudes do governo.
— Fronteiras deviam ter sido fechadas, voos internacionais cancelados e devia haver um plano de contingência restringindo movimentação no Rio e São Paulo aos que de fato precisam. São os melhores exemplos que vemos, mas cabe ao governo agir — alertou.
Na noite de segunda-feira, quando retornava ao Alvorada, Bolsonaro desceu do carro para saudar apoiadores e foi interpelado por um haitiano.
— Bolsonaro, acabou. (...) Você não é presidente mais. Precisa desistir. Você está espalhando o vírus e vai matar os brasileiros — protestou o imigrante.
O vídeo com o protesto solitário do homem não identificado viralizou nas redes sociais e nesta terça-feira (17) escalou os primeiros lugares entre os assuntos mais comentados, sob a tema "BolsonaroAcabou". De imediato, movimentos de apoio ao governo fizeram subir outro slogan: "Respeitem o Presidente".
Embora a palavra impeachment já comece a ser proferida à boca pequena em Brasília, parlamentares experientes consideram que ainda é prematuro cogitar alguma atitude mais radical. O principal desafio agora, salientam, é interpretar os movimentos de Bolsonaro.
Para o cientista político José Álvaro Moisés, o presidente sabota as medidas positivas do próprio governo e abdica do papel de estadista ao abrir mão de unificar as forças políticas do país em meio uma grave crise.
— Bolsonaro está perdendo a oportunidade de liderar esse processo. Daí surge a dúvida se ele tem uma dissonância cognitiva que o impede de entender o que está acontecendo e a sua própria missão institucional, ou se então ele está aproveitando a situação para testar ao máximo a resiliência dos outros poderes na tentativa de justificar uma ação mais autoritária. Fica difícil decifrar. O governo tem tomado medidas adequadas, mas ele parece se voltar contra todas as evidências — diagnostica Moisés, diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo.