BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A relatora da CPMI (comissão parlamentar mista de inquérito) das fake news, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), vai acionar o Ministério Público para investigar Hans River do Nascimento, ex-funcionário da Yacows que mentiu durante depoimento e insultou a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo.
A deputada quer que o Ministério Público apure falso testemunho cometido por Hans em depoimento dado aos membros da comissão na terça-feira (11). Ele foi convocado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) a prestar esclarecimentos na comissão parlamentar mista de inquérito do Congresso, formada por deputados e senadores, que investiga a disseminação de notícias falsas na eleição.
Nesta quarta (12), Lídice se reuniu com a área técnica da CPMI para estudar o que poderia ser feito contra Hans, que jurou dizer a verdade antes da sessão de terça-feira.
A deputada está concluindo uma representação contra o ex-funcionário da Yacows tomando como base as inconsistências identificadas no depoimento de Hans, como a data em que ele teria trabalhado na empresa, a informação falsa de que ele atuou em uma campanha política que não foi realizada em 2018 e as declarações falsas sobre a jornalista da Folha de S.Paulo.
"Independente das ações que a CPI pode vir a tomar, nós podemos individualmente, qualquer parlamentar, tomar essa decisão", afirmou.
Para ela, cabe ao Ministério Público investigar as informações falsas divulgadas por Hans no depoimento à CPMI, enquanto o ex-funcionário da Yacows terá que provar o que disse.
Além da relatora, senadores e deputados do PT vão entrar na tarde desta quarta com uma notícia-crime contra Hans no Ministério Público Federal por ter mentido na CPMI após ter prestado juramento na condição de testemunha.
Os parlamentares vão usar como base de suas argumentações as reportagens de Patrícia Campos Mello na qual a jornalista comprova, com cópias de mensagens, áudios e planilhas, as mentiras ditas pelo ex-funcionário da Yacows na comissão.
Conforme a lei que regulamenta as CPIs, é crime fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete. Segundo a legislação, a pena para quem cometer o crime é de reclusão de dois a quatro anos e multa.
A notícia-crime será baseada em três fatos: na alegação de Hans de que trabalhou num período diferente do que consta do acordo fechado na ação trabalhista, na afirmação de que teria atuado na campanha de um político sem ter efetivamente participado e a reportagem de Patrícia, na qual fica constatado que o ex-funcionário mentiu.
"A bancada se sentiu ofendida ontem [terça] pelas mentiras do depoente e pelo desacato do depoente e pela forma deselegante e desrespeitosa não só com os parlamentares, mas também com a jornalista, a forma como ele se referiu à jornalista, as mentiras que ele contou", afirmou o senador Rogério Carvalho (PT-SE). "Ele mentiu diante de todos os parlamentares, jurando falar a verdade, caluniou o deputado Rui Falcão (PT-SP) e a jornalista."
O PT também vai entrar com uma representação contra o deputado Filipe Barros (PSL-PR) sob a acusação de administrar um grupo de WhatsApp que veicula fake news.
Já o presidente da CPMI, senador Angelo Coronel (PSD-BA), pretende convidar Patrícia novamente para depor perante os parlamentares.
Hans trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018.
Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha de S.Paulo, baseada em documentos da Justiça do Trabalho e em relatos de Hans, mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.
Na ocasião, a Folha de S.Paulo falou diversas vezes com Hans, que também era autor da ação trabalhista. Nas primeiras conversas, ocorridas a partir de 19 de novembro e gravadas, ele disse que não sabia quais campanhas se valeram da fraude, mas reafirmou o conteúdo dos autos e respondeu a perguntas feitas pela reportagem.
No dia 25, ele mudou de ideia após fazer acordo com a antiga empregadora, o que foi registrado no processo no dia 27. "Pensei melhor, estou pedindo pra você retirar tudo que falei até agora, não contem mais comigo", disse, em mensagem de texto à reportagem. Dias antes, a Folha de S.Paulo havia procurado a Yacows para solicitar esclarecimentos sobre o caso.
Nesta terça, ao dar informações falsas à CPI, Hans insultou Patrícia.
"Quando eu cheguei na Folha de S.Paulo, quando ela [repórter] escutou a negativa, o distrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinado tipo de matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?", disse no Congresso.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, aproveitou a fala de Hans para difundir ofensas e fazer insinuações contra a repórter da Folha de S.Paulo, tanto no Congresso como em suas redes sociais.
"Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, é o que a Dilma Rousseff falava: fazer o diabo pelo poder", afirmou Eduardo.
O Código Penal estipula que fazer afirmação falsa como testemunha em processo judicial ou inquérito é crime, com pena prevista de dois a quatro anos de reclusão, além de multa. Na condição de testemunha, Hans se comprometeu em falar a verdade à comissão. O regimento do Senado diz que a inquirição de testemunhas em CPIs segue o estabelecido na legislação processual penal.
"Acusar alguém quando esse alguém não está presente não é um ato de coragem, é um ato de covardia", afirmou o senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das fake news, após as declarações de Hans.
Em nota, a Folha de S.Paulo rebateu os ataques a seu jornalismo.
"A Folha repudia as mentiras e os insultos direcionados à jornalista Patrícia Campos Mello na chamada CPMI das Fake News. O jornal está publicando documentos que mais uma vez comprovam a correção das reportagens sobre o uso ilegal de disparos de redes sociais na campanha de 2018. Causam estupefação, ainda, o Congresso Nacional servir de palco ao baixo nível e as insinuações ultrajantes do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)."