O integralismo ressurgiu no noticiário brasileiro com máscara e transmissão pela internet. Supostos integrantes de um até então inexpressivo "Comando de Insurgência Popular da Grande Família Integralista Brasileira" assumiram, no dia de Natal (25), a autoria do atentado contra a produtora do programa humorístico "Porta dos Fundos". O prédio da empresa, no Rio de Janeiro, foi atacado com coquetéis molotov. Apesar dos prejuízos materiais, ninguém ficou ferido. Ao serem ouvidos pela Polícia Civil, porém, os integrantes do suposto "comando integralista" negaram participação na depredação.
Nas imagens, com balaclava e tendo ao fundo uma bandeira com o Sigma (símbolo usado no passado pelos integralistas), o grupo diz que cometeu o crime como represália ao especial de Natal do Porta dos Fundos, "A Primeira Tentação de Cristo". No filme, transmitido pela Netflix, Jesus Cristo é representado como um homem gay.
A mais conhecida entidade ligada à ideologia extremista, a Frente Integralista Brasileira (FIB), negou a autoria do atentado. Seus integrantes disseram desconhecer os autores da represália ao site satírico.
Não há dúvida, porém, de que o integralismo teve passagens violentas na sua história. Nos anos 1930, foram notórios os enfrentamentos entre militantes do movimento de extrema-direita e os comunistas. Em 1938, a Ação Integralista Brasileira (AIB) tomou o edifício dos Correios e Telégrafos, as usinas geradoras de eletricidade, a Rádio Mayrink Veiga e a Escola Naval, todos no Rio de Janeiro. Depois, em um segundo episódio, invadiu o Palácio da Guanabara com o objetivo de depor o então presidente Getúlio Vargas. O levante fracassou. Mais de 1,5 mil integralistas foram presos e pelo menos oito foram fuzilados. O líder e fundador da AIB, Plínio Salgado, fugiu e se exilou em Portugal.
O movimento integralista foi fundado por Salgado em 7 de outubro de 1932, nitidamente inspirado no fascismo de Mussolini, ditador italiano com quem o líder brasileiro se encontrou. GaúchaZH entrevistou dois historiadores que são considerados as maiores autoridades em integralismo no Brasil, ambos professores na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais. Odilon Caldeira Neto, autor do livro "Sob o Signo do Sigma - Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo", analisa os passos atuais dessa vertente da ideologia de extrema-direita. Leandro Pereira Gonçalves, por sua vez, é autor da obra "Plínio Salgado: Um Católico Integralista Entre Portugal e o Brasil (1895-1975)".
Tanto Caldeira Neto quanto Gonçalves acreditam que o integralismo chegou a ser o maior partido fascista fora da Europa, com 200 mil adeptos — cálculo citado por Plínio Salgado em suas cartas — mas não tem grande representatividade hoje.
— O que existe hoje são grupelhos com poucas centenas de militantes. Ele não fazem ações de massa, nem formam um partido político. Procuram atuar dentro de agremiações já existentes, influenciar, radicalizar posturas, além de praticar um ativismo cibernético —descreve Caldeira Neto.
Nessa estratégia de influenciar internamente agremiações políticas, a maior concentração de neointegralistas está dentro do PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro), de acordo com Leandro Gonçalves. É o partido de Levy Fidelix, ex-candidato à presidência da República, e também do atual vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Fidelix já fez diversas homenagens públicas ao integralismo, ressalta o historiador. Mourão, por sua vez, não dá sinais de qualquer engajamento com essa ideologia e parece ter aderido à legenda apenas por questão de oportunidade para candidatura.
Se hoje não tem grande representação numérica, o integralismo já foi decisivo em eleições do passado. Em 1958, aglutinado sob a bandeira do Partido de Representação Popular (PRP), ajudou a eleger Leonel Brizola (PTB) governador do Rio Grande do Sul. Fato curioso, já que o brizolismo era um movimento nacionalista de esquerda e os integralistas eram nacionalistas de direita.
— O Brizola queria vencer os grandes partidos (o PSD e a UDN) e classificava a UDN como o liberalismo vende-pátria. Achou que a parceria com os integralistas do PRP pelo menos teria uma base ideológica em comum: o nacionalismo — analisa o historiador Leandro Gonçalves.
Apesar de ser paulista, foi no Rio Grande do Sul que o líder máximo do integralismo, Plínio Salgado, concentrou grande parte da sua militância. Entre os políticos gaúchos integralistas estão o ex-senador Alberto Hoffmann (PRP, depois Arena e PP) e o também ex-senador Guido Mondim (eleito em 1958 pelo PRP, na aliança que levou Brizola ao poder).
Apesar de fascistas, os integralistas não pregavam racismo em nível institucional. Seria uma incoerência, em se tratando de um partido que dizia representar todos os brasileiros, pondera Gonçalves. A própria bandeira integralista era formada pela letra grega sigma, significando a "somatória de todos os brasileiros". O historiador ressalva, porém, que Plínio Salgado fez comentários antijudaicos algumas vezes, o que teria mais coerência com a sua religião — ele era ultracatólico —do que com preconceito racial.
Com relação ao atentado com coquetéis molotov na sede da produtora de vídeos no Rio, os dois historiadores concordam: o desafio da Polícia Civil fluminense, agora, é identificar os autores (que responderão por tentativa de homicídio) e ver se são mesmo integralistas.