Por Luís Augusto Fischer*
Um catatau de 840 páginas assusta; mas será difícil negar charme e interesse ao livro A tentação fascista no Brasil, apesar do tamanho. E, a melhor parte, ao abrir as páginas o leitor vai deparar com um texto fluente, agradável de ler mesmo para quem, como eu, não é do ramo das Ciências Políticas. Mais que isso, o tijolo de papel contém uma preciosa reflexão sobre o Brasil.
Vamos aos nomes completos: o autor é Hélgio Trindade, calejado cientista político, um acadêmico de trajetória exemplar em seu campo, e também um experiente gestor universitário, ostentando o raríssimo feito de haver sido reitor de duas universidades brasileiras, a UFRGS e a novíssima UNILA, em Foz do Iguaçu, cuja implementação ele coordenou.
O livro contém mais de uma relevância. Começa que, na abertura, Hélgio faz uma cabível evocação sobre sua história pessoal de envolvimento com o tema, em contido (e cabível) autoelogio. Em 1974, defendeu tese na Sorbonne sobre o tema, quando ofereceu uma interpretação nítida sobre o Integralismo, este movimento autoritário dos anos 1920 e 1930 no Brasil: tratava-se de uma modalidade de fascismo. (Esquina da história: em sua banca estava Celso Furtado.) Publicada em livro, a tese foi lida e apreciada, ganhando relevância como cabia, a demonstrar o sentido de haver um curso de Ciência Política na universidade.
A seguir, A tentação fascista oferece um panorama do Integralismo, seu pensamento, suas preferências, seus vínculos com outros movimentos autoritários do período, quando conviviam o positivismo ao lado do comunismo, e o fascismo e o nazismo polarizavam atenções, tudo isso no contexto getulista e, não menos, modernista. Ocorre que o grande líder integralista, Plínio Salgado, participou da famosa Semana de 22, o que é mais um elemento de interesse atual pelo trabalho de Hélgio, dada a supremacia atual do modernismo à moda paulista.
A parte mais suculenta do livro vem depois: um conjunto de entrevistas, realizadas pelo autor entre 1969 e 1970 – ponhamos aí a lembrança do tempo ultra-autoritário do regime de 1964 – e nunca antes publicadas como tal. Entramos então em outra esquina da história: ouvimos, para além das informações e interpretações do autor, a voz de protagonistas, já senhores afastados daquele calor integralista inicial. Fala Plínio Salgado, admirador de Salazar e chefe do grupo; a seguir, vários dirigentes nacionais e regionais, entre os quais o chefe gaúcho.
Estamos na página 550 e ainda temos mais material de grande proveito: agora, cinco primorosas entrevistas com testemunhas da história: Alceu Amoroso Lima, Antonio Candido, Cruz Costa, Menotti del Picchia e Cândido Motta Filho (os dois últimos também participantes da Semana paulistana e também picados pelo autoritarismo, mas por mosca diversa da de Plínio). Esquinas de impressionante força. O livro encerra com um ensaio breve sobre a esquina atual, Ainda a tentação fascista no Brasil?, que arranca dessa pergunta tão sensível e tão compartilhada por tantos e avança menos do que o leitor democrata gostaria.
Visto na perspectiva de uma longa carreira, o novo livro de Hélgio Trindade oferece um espetáculo de rara dignidade. Não são muitos os intelectuais a terem tido a qualidade e a coerência do autor, mas também a perseverança, a energia e mesmo a sorte de chegar ao tempo da aposentadoria com lucidez e tino para realizar obra desta envergadura.
*Escritor, ensaísta, professor e colunista de ZH.
A tentação fascista no Brasil: Imaginário de dirigentes e militantes integralistas
De Hélgio Trindade
Editora da UFRGS, 838 páginas, R$ 64,90.
Lançamento às 19h desta terça, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping Country (Avenida Túlio de Rose, 80). Em Porto Alegre.