A Justiça atendeu a pedido da Defensoria Pública do Estado e proibiu o Banrisul de limitar a concessão de empréstimo relativo ao 13º salário de servidores estaduais que tenham algum tipo de restrição de crédito. No despacho, a juíza Eliane Garcia Nogueira determina que o banco “se abstenha de condicionar a contratação de empréstimo bancário para antecipação da gratificação natalina pelos servidores (…) a qualquer tipo de análise de crédito, inadimplência, cadastros negativos, renegociação e demandas judiciais”.
Na decisão cautelar, emitida nesta quinta-feira (19), a juíza também afirma que “o descumprimento da medida determinada importará na aplicação de multa de R$ 10 mil por hipótese individual de descumprimento”.
O Tribunal de Justiça do Estado ainda não confirmou, nesta sexta-feira (20), se o Banrisul foi intimado da decisão.
Procurado, o banco indicou, por meio de nota, que a concessão desse empréstimo segue condicionada à “aprovação da operação”. No texto, o banco afirma que “a contratação da linha de crédito Antecipação do 13º Salário de 2019 para servidores públicos estaduais e pensionistas do Rio Grande do Sul é uma relação direta entre o Banrisul e o cliente tomador do empréstimo” e que “a aprovação da operação está condicionada ao enquadramento na política de crédito e risco do Banrisul e também às diretrizes e normas do Banco Central do Brasil”.
Por falta de recursos no caixa do Estado, o Piratini ofereceu duas opções de pagamento do 13º salário de 2019 aos servidores públicos: a antecipação por meio de empréstimo junto à instituição bancária (com os juros pagos pelo Estado) ou o pagamento parcelado, em 12 vezes, ao longo de 2020, com indenização de 1,3% ao mês.
Leia a íntegra da nota do Banrisul
“A contratação da linha de crédito Antecipação do 13º Salário de 2019 para servidores públicos estaduais e pensionistas do Rio Grande do Sul é uma relação direta entre o Banrisul e o cliente tomador do empréstimo. A aprovação da operação está condicionada ao enquadramento na política de crédito e risco do Banrisul e também às diretrizes e normas do Banco Central do Brasil.
O Banrisul, até o dia 30 de dezembro, oferece condições especiais para negociação de operações de créditos inadimplentes.
Portanto, o cliente pode procurar a agência de seu relacionamento para tratar de sua situação.”
Leia a íntegra da decisão da juíza Eliane Garcia Nogueira
“DESPACHO/DECISÃO
A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou ação civil pública em desfavor do Banco do Estado do Rio Grande do Sul a fim de assegurar que a contratação do empréstimo referente à antecipação da gratificação natalina de 2019 seja disponibilizada aos servidores públicos e pensionistas independentemente de pendências financeiras, ações judiciais movidas em face do réu e/ou cadastramento no rol de inadimplentes mantido pelo SPC/SERASA. Em sede de tutela de urgência requereu que o demandado seja compelido a efetuar empréstimo bancário para antecipação da gratificação natalina dos servidores públicos ativos e inativos e pensionistas, sem análise de crédito, inadimplência, cadastro negativo, demanda judicial e sem qualquer tipo de exigência de renegociação de débitos ou desistência de ações judiciais (evento 01).
É o relatório.
Segundo o art. 1° da Lei Complementar n° 80/1994, “A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5° da Constituição Federal”.
Logo, a Defensoria Pública detém legitimidade para figurar no polo ativo da presente demanda, conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 733.433/MG, que fixou em repercussão geral o tema 607: “A Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura da ação civil pública em ordem a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas”.
Em observância ao disposto no art. 84, §§ 3° e 5° do Código de Defesa do Consumidor, art. 12 da Lei n° 7.347/85 e art. 300 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Pretende a demandante que o banco réu se abstenha de condicionar a contratação do empréstimo de antecipação do décimo terceiro salário à renegociação de pendências financeiras, à inexistência de demanda judicial ajuizada em seu desfavor ou de apontamento nos órgãos de proteção ao crédito.
No caso dos autos, os depoimentos prestados pelos servidores públicos comprovam que “não haverá antecipação do seu 13° salário por ter dívidas pendentes de pagamento junto ao Banrisul”, bem como que “a linha de crédito lhe foi negada em decorrência do fato de ter ingressado com ação revisional contra o banco, além de estar cadastrada como inadimplente pelo Banrisul junto ao SPC/SERASA (outros 02, fls. 01/02)”.
Ora, o parcelamento salarial imposto aos servidores públicos estaduais e a crise financeira que assola o Estado do Rio Grande do Sul é informação de ampla divulgação, sendo notória as dificuldades econômicas enfrentadas tanto pela Administração, quanto pelos seus servidores.
Com efeito, a Constituição Estadual prevê que o décimo terceiro salário dos servidores públicos deverá ser pago até o dia 20 de dezembro, senão vejamos:
Art. 35. O pagamento da remuneração mensal dos servidores públicos do Estado e das autarquias será realizado até o último dia útil do mês do trabalho prestado.
Parágrafo único. O pagamento da gratificação natalina, também denominada décimo terceiro salário, será efetuado até o dia 20 de dezembro.
Por sua vez, o art. 104 do Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Complementar n° 10.098/94, atualizada pela Lei Complementar n° 15.397/2019), dispõe que ao servidor público estadual será concedida uma gratificação natalina correspondente a sua remuneração integral devida no mês de dezembro, cujo valor será pago até o dia 20, sem prejuízo de eventual indenização pelo descumprimento de tal prazo.
Ao julgar situação idêntica, o Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que por integrar a administração pública indireta, e com vistas de privilegiar o interesse público, a “atuação do Banrisul não deve se dar a partir de análises financeiras, cálculo de riscos de inadimplência, etc., mas sim dentro de um contexto de “serviço público”, no qual a principal finalidade a ser alcançada não é o lucro e sim o melhor interesse da coletividade”, in verbis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO COLETIVA. EMPRÉSTIMO PARA ADIANTAMENTO DE GRATIFICAÇÃO NATALINA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. 1. O art. 2º da Lei Complementar Estadual nº 15.233, de 11 de dezembro de 2018, que introduziu a possibilidade de parcelamento da gratificação natalina dos servidores públicos estaduais no ano de 2018, previu que a aplicação do dispositivo legal se daria “sem distinção entre quem possui ou não ação judicial e/ou cadastro de inadimplência”. 2. Uma vez que o Banrisul integra a administração pública indireta, pois se trata de sociedade de economia mista exploradora de atividade econômica com controle acionário do Estado do Rio Grande do Sul, sua política deve ser pautada, também, com vistas ao interesse público. No caso em exame, em que a criação da linha de crédito se deu em conjunto com o Governo do Estado, e em razão da ineficiência da administração pública em realizar o pagamento na data prevista, a atuação do Banrisul não deve se dar a partir de análises financeiras, cálculo de riscos de inadimplência, etc., mas sim dentro de um contexto de “serviço público”, no qual a principal finalidade a ser alcançada não é o lucro e sim o melhor interesse da coletividade. 3. Nos termos do art. 104, §4º, do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Lei nº 10.098/94) “o Estado indenizará o servidor pelo eventual descumprimento do prazo de pagamento das obrigações pecuniárias relativas à gratificação natalina, cuja base de cálculo será o valor desta, deduzidos os descontos legais”, de forma que a operação financeira carece de riscos à instituição financeira, uma vez que, além de poder descontar a quantia diretamente da folha de pagamento, será o Estado o responsável pelo pagamento dos juros e correção monetária decorrentes do atraso no pagamento. 4. Restando caracterizada a presença dos elementos necessários à antecipação de tutela perseguida – fumaça do bom direito e o perigo na demora –, outra solução não resta senão o desprovimento do agravo de instrumento, com a manutenção da medida concedida na origem. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70080330210, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alberto Delgado Neto, Redator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 30-07-2019)
Como argumento de reforço, ressalto que no dia 04 de dezembro de 2019 foi publicada a Lei Complementar n° 15.397/2019, na qual é prevista a proibição de qualquer condicionante entre quem possui ou não ação judicial ou esteja cadastrado em órgãos de proteção ao crédito:
Art. 2º O disposto no § 8.º do art. 104 da Lei Complementar nº 10.098/94 estende-se aos inativos, aos pensionistas e aos servidores vinculados a estatutos próprios, sem distinção entre quem possui ou não ação judicial e/ou cadastro de inadimplência.
Quanto ao perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, entendo que este reside no próprio caráter alimentar da verba em questão e da decorrente necessidade do recebimento em dia de tal gratificação, previsto inclusive na Constituição Estadual. Se não é possível por meio do ente pagador, que seja por meio de empréstimo bancário garantido pelo Estado e fornecido pelo réu, que se trata de sociedade de economia mista exploradora de atividade econômica com controle acionário do Estado do Rio Grande do Sul.
Por todo o exposto, concedo a tutela de urgência para que o demandado se abstenha de condicionar a contratação de empréstimo bancário para antecipação da gratificação natalina pelos servidores públicos ativos e inativos e pensionistas, a qualquer tipo de análise de crédito, inadimplência, cadastros negativos, renegociação e demandas judiciais (ou sua desistência).
Ressalto que o descumprimento da medida acima determinada importará na aplicação de multa de R$ 10.000,00 por hipótese individual de descumprimento.
Levando em conta que a discussão sobre possível prática abusiva e reiterada contra direitos difusos e direitos individuais homogêneos é passível de controle via ação civil pública, cuja propositura é legitimada à Defensoria Pública, cumpre reconhecer a inversão do ônus da prova determinada pelo art. 6°, inciso VIII, do CDC, pois além do citado dispositivo encontrar-se albergado pelo art. 21 da Lei 7.347/85, a demandante está atuando em nome dos consumidores usuários dos serviços e condições impostas pelo réu.
Em vista disso, inverto o ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII, do Código de Processo Civil.
Em atenção ao art. 18 da Lei n° 7.347/85, isento a demandante do pagamento das custas e despesas processuais.
Cumpra-se, com urgência, inclusive pelo plantão, caso necessário.
Intimem-se.”