A entidade apontada pelo Ministério Público do Estado como pivô do afastamento do prefeito de Santana do Livramento, Solimar "Ico" Charopen Gonçalves (PDT), firmou contrato com câmaras de vereadores e prefeituras de ao menos outras seis cidades gaúchas desde 2017. Ico Charopen foi afastado do cargo na manhã desta sexta-feira (27) por suspeita de liderar suposta organização criminosa que teria causado prejuízo de R$ 3,3 milhões aos cofres daquele município. O representante legal da organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) Ação Sistema de Saúde e Assistência Social está impedido de praticar atividade comercial pela associação.
Entre as demais cidades que contrataram serviços da oscip está a prefeitura de Bagé, na Campanha, que pagou R$ 7,5 milhões para realização de serviços na área da saúde entre 2017 e 2019. O Tribunal de Contas do Estado apontou falhas na contratação e na execução do contrato que evoluíram para inquérito civil.
Em Palmares do Sul, no Litoral Norte, a oscip firmou ao menos cinco contratos com a prefeitura que vigoraram entre dezembro de 2017 e dezembro de 2019. O objeto era prestação de serviços médicos em unidades de saúde e atuação junto ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Faturou, neste período, R$ 1,9 milhão.
Em Terra de Areia, no Litoral Norte, a entidade recebeu mais R$ 1,9 milhão. O recurso, desta vez, foi fruto de dois contratos que vigoraram em sequência, de setembro de 2018 a junho de 2019, período em que a oscip foi contratada para prestar serviços de atendimento médico e contratar profissionais para atuarem no Samu. A oscip também operou em Xangri-Lá, ainda no Litoral Norte, tanto para a Câmara de Vereadores quanto para a prefeitura. Os três contratos, mantidos de julho a dezembro de 2017 e de junho de 2018 a dezembro de 2019, renderam à associação R$ 576,6 mil.
Estância Velha, no Vale do Sinos, e Guaíba, na Região Metropolitana, também aparecem na relação que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) mantém em seu portal sobre licitações e contratos administrativos firmados pelos poderes, órgãos e entidades. Em Estância Velha, o contrato com prefeitura vigorou por seis meses, entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019, e custou R$ 51.520 aos cofres pelo serviço de contratação de empresa especializada em psiquiatria para atuar na rede básica de saúde. A prefeitura de Guaíba desembolsou R$ 1 mil entre dezembro de 2018 e março de 2019, quando a Ação Sistema de Saúde e Assistência Social foi chamada para mediar contratação de entidade que atuasse junto ao Samu.
O inquérito que tirou Charopen do cargo aponta indícios de fraude na dispensa de licitação para contratação desta oscip. O termo de parceria e um posterior aditivo firmados entre entidade e prefeitura de Santana do Livramento somam R$ 18,3 milhões — dos quais R$ 16 milhões já foram pagos — para intermediar contratações de professores para a rede municipal de educação. A contratação, segundo o inquérito, foi apenas um artifício utilizado pela administração para justificar e realizar dispensa ilegal, fraudulenta e direcionada a proporcionar enriquecimento ilícito de agentes públicos e privados. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em cidades como Porto Alegre, Novo Hamburgo e Torres, em endereços de moradia ou de veraneio do responsável pela organização.
No Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) consta que a oscip alvo da investigação foi aberta em 26 de outubro de 2015 com atividade econômica principal de apoio à gestão de saúde. Entre as atividades secundárias estão "seleção e agenciamento de mão-de-obra", "fornecimento e gestão de recursos humanos para terceiros" e "atividades de atendimento em pronto-socorro e unidades hospitalares para atendimento a urgências". Seu representante legal é Giovani Collovini Martins, sócio em outras duas empresas, uma de gestão empresarial e outra de desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis.
De Torres, onde mora, disse por telefone que as únicas cidades que deram "dor de cabeça" foram Bagé e Santana do Livramento e acusou o prefeito de indicar pessoas a serem contratadas.
— Eu disse tantas vezes não a eles que comecei a sofrer represálias. Fui obrigado a ceder algumas vezes e a aceitar as indicações — comentou.
Por nota, afirmou que Charopen "em nenhum momento cumpriu com a regularidade os pagamentos, instalando o caos entre os trabalhadores com atrasos para pagamentos dos salários e demais benefícios. Todas as prestações de contas, foram entregues com todas as comprovações. O Município possui débitos e está em cobrança extrajudicial em favor dos trabalhadores", disse, ressaltando que está "colaborando com a Procuradoria dos Prefeitos em todos os fatos, com depoimentos e entrega de documentos".