A demissão do pianista Miguel Proença do comando da Fundação Nacional de Artes (Funarte) revela mais um capítulo da disputa por poder na área cultural do Ministério da Cidadania. Gaúcho de Quaraí, o músico de 80 anos soube que deixaria o cargo na manhã desta segunda-feira (4), quando foi alertado que sua exoneração havia sido publicada no Diário Oficial da União.
Próximo ao ministro Osmar Terra — que levava seus discos para presentear autoridades em viagens internacionais —, Proença foi convidado para assumir a função em fevereiro. Em setembro, protagonizou a única polêmica no cargo. Ao defender a atriz e amiga Fernanda Montenegro, que havia sido chamada de “mentirosa” pelo diretor do Centro de Artes Cênicas da Fundação, Roberto Alvim, disse estar “completamente chocado” com a manifestação do subordinado.
Ainda assim, Proença não acredita que sua saída tenha se dado devido a esse episódio, mas por "pressões políticas". Segundo ele, havia "um clima de conspiração" supostamente alimentado pelo diretor executivo da Funarte, Leônidas Oliveira, que nega qualquer influência para a exoneração.
O pianista também reclama de falta de interlocução com Terra:
— Pensei que teria trânsito junto ao ministro, mas não consegui conversar pessoalmente com ele nenhuma vez. Isso prejudicou o trabalho na Fundação.
O principal cotado para assumir a Funarte é, justamente, Roberto Alvim. O tema foi tratado em encontro com o presidente Jair Bolsonaro —a quem impressionou após defender ideias conservadoras na área cultural — na última sexta-feira. Osmar Terra e o presidente também teriam discutido a possibilidade durante viagem à China, no mês passado.
Outra possibilidade aventada seria a nomeação dele como secretário especial da Cultura, setor que integra o Ministério da Cidadania. O atual ocupante do cargo, Ricardo Braga, deverá ser deslocado para o Ministério da Educação nos próximos dias.
Mas, essa opção enfrenta resistência do próprio Terra, que, nos bastidores, já protagonizou embates com o dramaturgo por influência política, inclusive na presença de Bolsonaro. Atualmente no terceiro escalão da pasta, Alvim é o único subordinado do ministro que tem acesso facilitado junto ao presidente, com quem esteve três vezes nas últimas semanas.
Procurado pela reportagem, Alvim pontuou que não pode “falar por enquanto” sobre o assunto. O Ministério da Cidadania também não quis se manifestar. Nesta segunda, Terra se encontrou com Bolsonaro, mas, segundo o ministério, as trocas de funções não foram debatidas.
Queda de braço na área cultural
O Ministério da Cidadania reúne as antigas pastas do Desenvolvimento Social, do Esporte e da Cultura. Esta última é foco de disputa por espaço político e ideológico. Abaixo, momentos em que houve queda de braço dentro do setor.
- 21 de agosto - Após avisar o presidente Jair Bolsonaro, Osmar Terra suspendeu edital da Agência Nacional do Cinema (Ancine) após aprovação de obras para emissoras públicas com temática LGBT+
- 21 de agosto - O secretário especial da Cultura, Henrique Pires, deixou o cargo ao não concordar com a ação, classificada por ele como “censura”
- 23 de setembro - O diretor do Centro de Artes Cênicas da Fundação Nacional das Artes (Funarte), Roberto Alvim, usou o Facebook para chamar Fernando Montenegro de “sórdida” e “mentirosa”. As críticas ocorreram depois que a atriz posou para a capa de uma revista vestida de bruxa prestes a ser queimada em uma fogueira de livros
- 1º de outubro - Após repercussão negativa, Terra chamou Alvim para uma audiência com Bolsonaro. Ministro e diretor discutiram, chegando a alertar a segurança do Palácio do Planalto. Alertado por Alvim, o presidente ordenou a Terra que demitisse a irmã do jornalista Merval Pereira, da Rede Globo, o que foi feito no dia seguinte
- 4 de outubro - Terra exonerou 19 servidores do Centro de Artes Cênicas da Funarte. Alvim reclamou diretamente a Bolsonaro
- 9 de outubro - O ministro recuou da decisão e tornou sem efeito as exonerações
- 7 de outubro - A Justiça Federal determinou a retomada do edital da Ancine, por meio de liminar
- 16 de outubro - Entidades denunciam a substituição de superintendentes regionais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por indicações políticas sem qualificação técnica. O fato foi levado ao Ministério Público Federal (MPF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR). As trocas ocorreram no Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal e Goiás
- 4 de novembro - Publicada no Diário Oficial da União a exoneração do presidente da Funarte, Miguel Proença. Nos bastidores, a ação é vista como uma manobra de Terra para que Alvim ocupe a presidência da Fundação, afastando-o da Secretaria Especial de Cultura