Ao menos 700 investigações e processos judiciais estão paralisados desde julho, quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, determinou a suspensão de casos criminais baseados em informações de órgãos de controle como a Receita Federal e o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). As informações são do jornal Folha de S.Paulo com base em dados da Procuradoria-Geral da República (PGR).
De acordo com o jornal, a medida travou principalmente as apurações sobre crimes contra a ordem tributária, 307 casos ao todo, como sonegação. No Estado, o Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF-4) congelou ao menos 30 processos desta ordem.
As relativas à lavagem de dinheiro, inclusive em esquemas de corrupção, somam 151 casos. Em menor quantidade a medida afetou inquéritos, procedimentos investigativos e ações penais como contrabando, peculato (desvio de recursos públicos), golpes contra a Previdência, falsidade ideológica e tráfico de drogas.
O levantamento foi feito pela 2° Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável pela área criminal, com base em informações lançadas até quinta-feira (24) em um sistema de dados processuais pelas Procuradorias da República nos estados. A quantidade de casos parados aumenta diariamente.
Na avaliação da subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara, o impacto da decisão é muito grande. Os procedimentos de sonegação, por exemplo, são abertos com base em representações da Receita (responsável, na esfera administrativa, pela apuração do débito fiscal). Essas denúncias são sempre acompanhadas da declaração de Imposto de Renda do contribuinte —documento que detalha dados fiscais e está no escopo da decisão de Toffoli.
Outro problema, na avaliação da PGR, é que os investigadores só podem pedir a quebra de sigilo bancário, medida invasiva e necessária no aprofundamento de vários tipos de crime, se tiverem indícios de ilegalidades —caso contrário, a Justiça não a autoriza. Esses elementos prévios frequentemente são verificados nos relatórios do Coaf.
Para Luiza, a decisão inviabiliza qualquer apuração sobre o patrimônio e as movimentações financeiras de criminosos.
— Como você vai pedir uma quebra de sigilo bancário se você não tem o relatório de inteligência financeira? Raramente terá elementos para pedir — afirma.
Extinto Coaf foi rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF)
A principal atuação do extinto órgão era a produção de relatórios de inteligência financeira (RIFs) que apontam operações suspeitas em bancos cartórios, galerias de arte, entre outras instituições, o que é considerado essencial por investigados em temas variados.
O órgão foi posto sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça no início do ano, como parte de uma estratégia do ministro de Justiça, Sérgio Moro, para fortalecer seu papel de apoio em investigações
Mas o Congresso reverteu a decisão e o devolveu ao Ministério da Economia em maio. Em agosto, ele foi transferido para o Banco Central e mudou de novo.
O presidente do Supremo mandou sustar em julho todos os processos e investigações do país baseados em dados fiscais e bancários detalhados obtidos sem prévia autorização judicial.
Para o ministro, os relatórios devem se limitar à identificação de titulares de operações bancárias e do valor global movimentado. No entendimento dele, a descrição de pormenores exige aval da Justiça.
A decisão foi tomada a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e paralisou a apuração do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o congressista.
As suspeitas tiveram origem na movimentação atípica de R$ 1,2 milhão detectada pelo Coaf nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa.
O pedido do senador ao STF pegou carona em um processo que já tramitava na corte e só tratava de dados da Receita, mas Toffoli estendeu a discussão ao Coaf e ao Banco Central.
Pela decisão do ministro, os casos criminais ficam suspensos até que o Supremo se reúna para julgar em definitivo a controvérsia, o que deve ocorrer em 21 de novembro.