O primeiro depoimento político da CPI das Fake News, marcado para a tarde desta quarta-feira (30), será acompanhado com atenção pelo Palácio do Planalto. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) promete não poupar antigos aliados, incluindo a família Bolsonaro. Um dos poucos espaços no Congresso onde a oposição se destaca, a comissão é a aposta dos partidos de esquerda para desgastar o governo.
Embora também aborde temas como cyberbullying e pedofilia, é a difusão de notícias falsas com viés político — e a possível influência na eleição de 2018 — que está no centro das discussões. Após sete encontros, os principais alvos recaem sobre a ala bolsonarista. Sem força para impedir convocações, governistas buscam reduzir danos.
A primeira tentativa será a de neutralizar a atuação de Frota. Ele promete explicar declarações que recheiam suas redes sociais, como a de que o presidente Jair Bolsonaro se cercou de aliados que fariam "guerrilha virtual", atacando inimigos com fake news.
Nos últimos dias, produziu convite para seguidores acompanharem a sua fala na CPI. Nesta terça-feira (29), postou fotos da mesa de seu gabinete com documentos e a provocação: "Trabalhando para quarta-feira". É uma resposta a assessores palacianos, de que sua participação faria barulho, mas não traria provas.
O depoimento da ex-líder do governo no Congresso Joice Hasselmann (PSL-SP) preocupa mais. Ao ser retirada do posto, após racha que dividiu o partido, ela disse que assessores ligados à família de Jair Bolsonaro atuam no Palácio do Planalto produzindo material em, ao menos, 1,5 mil perfis falsos no Facebook e 20 no Instagram.
Ela se refere ao chamado gabinete do ódio, que atua no mesmo andar do presidente. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, assessores ligados a Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), vereador e filho do presidente, agiriam na defesa da pauta conservadora, estimulando o estilo conflituoso adotado pelo clã. Entre os integrantes do grupo, são citados Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz, já convocados para depor.
Na lista de depoentes que desagradam ao governo ainda estão o responsável pelo portal bolsonarista Allan dos Santos, que falará em 5 de novembro, o dono das lojas Havan, Luciano Hang, e Rebecca Félix da Silva Ribeiro Alves, que atuou na coordenação de mídia e produção de conteúdo da campanha de Bolsonaro.
Entre os principais defensores do Executivo na comissão, estão os deputados Filipe Barros (PSL-PR), que tentou barrar a comissão no Supremo Tribunal Federal (STF), e Caroline de Toni (PSL-SC), que adotou a estratégia de obstruir os trabalhos. Ela é a autora de 29 requerimentos ainda não analisados, nos quais pede as convocações da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e do empresário Marcelo Odebrecht. O único depoimento aceito pela base foi o da deputada e presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR). Para a dupla governista, a CPI deixa de fora ameaças virtuais a aliados de Bolsonaro e visa desgastar o Planalto.
A partir de definição do Senado, a comissão deverá ser encerrada em 23 de dezembro. Mas, como o requerimento de instalação previa 180 dias de trabalho, descontado o período de recesso, a expectativa é de que siga até 19 de abril. As datas ainda não foram confirmadas.
Ambiente propício
As denúncias de fake news irromperam durante a eleição do ano passado. Após o pleito, perfis falsos e ataques a políticos e a órgãos do Judiciário mantiveram o tema aceso. Abaixo, momentos que alimentaram a criação da CPI.
TSE e fake news
Em outubro de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu investigação para apurar se o então candidato Jair Bolsonaro estaria cometendo crime eleitoral. O pedido, feito pelo PT, citava suspeitas de que empresas estariam comprando pacotes de divulgação via WhatsApp contra o partido. Concluída em dezembro, sem resultados práticos, a ação foi reaberta no último dia 17 de outubro.
Inquérito no STF
Após ameaças dirigidas a integrantes do Supremo, o presidente da Corte, Dias Toffoli, determinou a abertura de investigação contra fake news, em março. O processo corre em segredo de Justiça e é alvo de críticas por parte de juristas, devido ao caráter genérico que motivou o início das apurações.
Gabinete do ódio
Instalado no terceiro andar do Palácio do Planalto (o mesmo do gabinete do presidente), o chamado gabinete do ódio é formado por assessores responsáveis pelas redes sociais da Presidência da República. De acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o grupo, ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), integra a ala ideológica do Planalto e aposta em um estilo de confronto contra adversários.
Racha no PSL
O abismo criado no partido entre aliados de Jair Bolsonaro e de Luciano Bivar (presidente da sigla) deu força à CPI das Fake News. Em meio à crise, integrantes do PSL acusaram bolsonaristas de alimentarem perfis falsos na rede para disparos de notícias falsas contra adversários políticos.
Instalação da CPI
Pensada para investigar a disseminação de notícias falsas na rede e o uso de perfis falsos durante a eleição do ano passado, a comissão virou trunfo da oposição contra o governo. Aliados do Planalto chegaram a ir ao STF para impedir a instalação, mas não obtiveram sucesso. Embora com viés político, a CPI também investiga a prática de cyberbullying e pedofilia.
A lista
CONVOCADOS (têm a obrigação de prestar depoimento à CPI)
- Allan dos Santos, jornalista editor do portal bolsonarista Terça Livre
- Gleisi Hoffmann, presidente do PT e deputada federal pelo Paraná
- Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz, integrantes do chamado "gabinete do ódio", que atuam na Secretaria de Imprensa do Palácio do Planalto
- Luciano Hang, empresário, dono da Lojas Havan e apoiador de Bolsonaro
- Filipe Martins, assessor para Assuntos Internacionais do Planalto
- Fábio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação do Planalto
- Rebecca Félix da Silva Ribeiro, assessora que atuou na coordenação de mídia e produção de conteúdo da campanha de Bolsonaro
- Representantes das empresas WhatsApp, Google, Twitter, Youtube, Instagram, Facebook, Telegram, Vivo, Claro, TIM, Oi e Nextel
CONVIDADOS (não são obrigados a prestar depoimento)
Políticos
- Alexandre Frota, deputado federal (PSDB-SP)
- Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
- Joice Hasselmann, deputada federal (PSL-SP) e ex-líder do governo no Congresso
- Manuela D'Ávila, ex-deputada federal (PCdoB-RS)
- Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro
- Justiça e Ministério Público
- Rosa Weber, presidente do TSE e ministra do STF, e Raquel Dodge, ex-procuradora-geral da República
Outros
As atrizes Carolina Dieckmann e Taís Araújo, o ator Bruno Gagliasso, o cantor e compositor Caetano Veloso, a atriz e influenciadora digital Giovanna Ewbank, as jornalistas Maria Júlia Coutinho e Eliane Brum, o youtuber Felipe Neto, o diretor de jornalismo da Rádio Jovem Pan, Felipe Moura Brasil, e o médico e escritor Drauzio Varella.