Insurgidos pela derrubada de vetos da lei de abuso de autoridade, juízes preparam investida no Supremo Tribunal Federal (STF) para convencer os ministros a desmantelar o dispositivo. Depois de apresentarem à Corte ação direta de inconstitucionalidade, magistrados se reúnem nesta terça-feira (1º), em Brasília, para definir as estratégias contra o que chamam de "mordaça" ao seu trabalho.
O levante deve gerar uma sequência de processos no Supremo. Além da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que ingressou com ação no sábado (28), questionamento assinado pelos auditores fiscais do Distrito Federal tramita na Corte desde a última quinta-feira (26), sob a relatoria do ministro Celso de Mello.
Para uma ala, liderada pelos magistrados do Pará, os juízes devem decretar paralisação nacional em resposta à nova lei, que entrará em vigor em janeiro de 2020. Defendida pelos integrantes da Associação dos Magistrados do Pará (Amepa), entidade que reúne 355 juízes, a greve será colocada à mesa na reunião desta terça-feira, convocada pela AMB.
— Defendemos a paralisação para demonstrar os sérios e iminentes riscos decorrentes da criminalização da atividade de juízes e promotores, que perdem a autonomia para decidirem questões tormentosas relacionadas à corrupção, ao crime organizado e a outros comportamentos que afligem à sociedade — afirmou o presidente da Amepa, Silvio Maria.
Nem todos concordam em cruzar os braços. O presidente em exercício da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Orlando Faccini Neto, afirma que a possibilidade sequer foi discutida entre os colegas no Estado.
— Penso que, se a matéria está judicializada no Supremo, devemos atuar para produzir o convencimento dos ministros — avalia Faccini.
Durante o final de semana, o assunto movimentou o WhatsApp dos magistrados. Faccini participou das discussões em dois grupos no aplicativo — em um deles, estão todos os presidentes de associações estaduais — e disse que a categoria está "absolutamente preocupada":
— Juízes estão constrangidos de exercerem a sua profissão.
Juízes federais também irão acionar o Supremo
Em comunicado interno distribuído aos membros na semana passada, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) informou que também irá ingressar com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo. Segundo o presidente da entidade, Fernando Marcelo Mendes, o documento está pronto e deve ser protocolado ainda nesta semana.
— É necessário uma mobilização nacional, mas isso tem de ser feito de forma coordenada. Por isso, estamos aguardando a definição conjunta da linha de ação a ser adotada — disse Mendes.
Na quarta-feira (2), ele irá participar de outro encontro, chamado pela Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), para debater as estratégias da reação. Representando nove entidades, o movimento, anunciou, em nota, que irá trabalhar para "invalidar" no Judiciário os pontos "imprecisos" da lei.
— É importante que todos atingidos entrem (judicialmente) para demonstrar que essa lei não encontra aceitação na sociedade. Quanto mais manifestarmos a nossa indignação, maior será a pressão para que o Supremo reflita — defendeu Rafael Moreira, diretor de assuntos legislativos da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Ajufergs).
Em conversas reservadas, ministros do Supremo têm se mostrado divididos sobre a constitucionalidade da lei. Sem consenso, os magistrados terão de se manifestar sobre o abuso de autoridade no momento em que o plenário da Corte mais tem envergado pela crítica à Lava-Jato.
Os 7 pontos mais críticos, segundo magistrados
O que diz a lei: decretar prisão em "desconformidade com as hipóteses legais". Pena: multa e detenção de um a quatro anos.
Crítica: para magistrados, o juiz será punido por causa de um entendimento diverso ao seu ao ter uma prisão revertida em uma instância superior, por exemplo.
O que diz a lei: deixar de substituir prisão preventiva por medida cautelar e deixar de conceder liberdade provisória ou habeas corpus quando for "cabível". Pena: multa e detenção de um a quatro meses.
Crítica: segundo magistrados, a subjetividade do artigo permitirá que qualquer pessoa impute o crime ao juiz.
O que diz a lei: violar prerrogativa de advogados. Pena: multa e detenção de três meses a um ano.
Crítica: magistrados dizem que esse artigo cria um "benefício" para advogados que nenhuma outra categoria possui.
O que diz a lei: decretar indisponibilidade de bens em valores que ultrapassem "exacerbadamente" o valor estimado de parte da dívidas. Pena: multa e detenção de um a quatro anos.
Crítica: segundo magistrados, a extensão dos danos financeiros costuma ser desconhecida durante o processo, e isso que irá levá-los a uma punição.
O que diz a lei: decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado "manifestamente descabida" ou sem intimá-lo previamente. Pena: multa e detenção de um a quatro anos.
Crítica: magistrados questionam a ausência de definição do artigo, afirmando que a sua aplicação ficará sujeita à interpretação e poderá levar a casos de arbitrariedade.
O que diz a lei: instaurar investigação sem ter "qualquer indício" da prática do crime. Pena: multa e detenção de seis meses a dois anos.
Crítica: magistrados analisam que a norma é muito "aberta" e também poderá ser usada de modo arbitrário.
O que diz a lei: demorar "demasiada e injustificadamente" na análise do processo nos casos em que tenha pedido vista em órgão colegiado para atrasar o julgamento. Pena: multa e detenção de seis meses a dois anos.
Crítica: magistrados alegam que nenhuma lei indica o que seria "demorar demasiadamente".