Em baixa no Brasil bolsonarista, a esquerda não tem sido esquecida pelo presidente mesmo depois de eleito. Jair Bolsonaro mencionou o campo político que elegeu como inimigo em um a cada três discursos oficiais realizados em compromissos como chefe máximo do país, mostra análise de GaúchaZH.
Bolsonaro se referiu a termos ligados à esquerda em 29% dos 128 pronunciamentos que concedeu entre 1º de janeiro, dia em que tomou posse, e 12 de agosto, quando fez a sua última visita ao Rio Grande do Sul. Para chegar ao percentual, GaúchaZH realizou levantamento de todos os pronunciamentos disponíveis no site do Palácio do Planalto e mapeou a ocorrência de palavras-chave relacionadas à ala adversária do presidente.
Os termos preferidos por Bolsonaro ao se referir aos rivais são Venezuela (52 vezes), esquerda ou esquerdalha (21) e Cuba (19). E o discurso em que Bolsonaro mais recorreu aos adversários foi proferido aos gaúchos. Na viagem recente ao Estado, o presidente mencionou 10 termos referentes aos "inimigos" — Chávez, Coreia do Norte, Cuba, Dilma, esquerda (e a variação esquerdalha), Fidel Castro, Kirchner, Maduro, PSOL e Venezuela.
— A turma da Cristina Kirchner, que é a mesma da Dilma Rousseff, que é a mesma de Maduro e Chávez e de Fidel Castro, deram sinal de vida aqui. Povo gaúcho, se essa esquerdalha voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter, sim, no Rio Grande do Sul, um novo Estado de Roraima — disse o presidente em um dos trechos do discurso, às margens da BR-116, em Pelotas.
O segundo pronunciamento com mais referências ocorrera dias antes, em 1º de agosto, na cerimônia de lançamento do programa Médicos pelo Brasil, substituto do Mais Médicos.
Polarização
Para analistas políticos, a recorrência à esquerda não impressiona. Na avaliação de Eduardo Wolf, professor do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP, a manutenção de uma base eleitoral agitada está no centro da estratégia presidencial.
— Se Bolsonaro abrir mão plenamente do discurso lava-jatista ou antipetista, perde o coração da sua eleição. Como o lava-jatismo está em queda, e ele também tem interesses muito pessoais contra uma parte da agenda anticorrupção, sobra a manutenção desse discurso altamente polarizado com o PT e a esquerda. Isso faz com que se oponha ao universo do antipetismo permanentemente, eletrizando a sua base — afirma Wolf.
O professor pondera que a incidência seria ainda maior se fossem analisadas as redes sociais do presidente, ou mesmo as declarações informais concedidas à imprensa, canais eleitos como a sua principal frente de batalha:
— Ali ficam muito mais explícitos os espíritos belicoso e adversarial.
Felipe Nunes, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais, concorda que Bolsonaro mantém o discurso polarizado para tensionar o debate e agradar o seu eleitor mais cativo. Pesquisas mostram que o presidente mantém consolidado o apoio de cerca de 30% da população – o mesmo percentual de brasileiros que costumam declarar repulsa ao PT. Estaria aí a explicação para a constante lembrança ao lado de lá.
— Para manter esses 30%, só tem um jeito: alimentar esse peixinho com posicionamento político. Enquanto Bolsonaro não conseguir entregar resultados econômicos, vai manter a estratégia de posicionamento polêmico e polarização em relação ao PT porque é isso que faz com que esses que não gostam do PT continuem mobilizados na figura dele. Alimenta o seu fã clube e mantém a sua base viva — analisa Nunes.