Após a publicação de reportagem da Folha de S.Paulo neste domingo (18) que mostrou que a equipe da Lava-Jato driblou a lei para ter acesso a dados da Receita, o procurador Deltan Dallagnol afirmou que a cooperação entre o Ministério Público Federal e o Fisco sempre foi amparada na lei.
A defesa do ex-presidente Lula também reagiu à revelação da reportagem e afirmou que ela reforça que o petista "foi vítima de uma conspiração e de atos ilícitos".
A reportagem mostrou supostas conversas no aplicativo Telegram, obtidas pelo site The Intercept Brasil, em que procuradores da Lava-Jato buscam informações da Receita sem requisição formal e sem que a Justiça tivesse autorizado a quebra do sigilo das pessoas que queriam investigar. Uma das conversas mostradas era entre Deltan e o auditor Roberto Leonel, que atualmente dirige o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Em uma mensagens, de 2016, Deltan sugere que colegas peçam para Leonel "dar uma olhada informal" no Imposto de Renda do caseiro de um sítio frequentado por Lula.
Em uma rede social, neste domingo, o procurador, que coordena a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, disse que se tratam de "mais acusações falsas contra a Lava Jato".
"A Receita passou informações para o MP na Lava Jato em 3 situações, sempre com amparo na lei: 1) Quando houve quebra de sigilo fiscal decidida por juiz 2) quando o MP requisitou informações fiscais, poder dado pela Lei Complementar 75/93 e reconhecido em atos e decisões da Administração Pública e do Judiciário 3) quando a Receita identificou indícios de crimes, em apuração de iniciativa própria ou a partir de informações recebidas do Ministério Público, de outros órgãos ou de cidadãos."
O procurador também afirmou que a Receita "tem liberdade de apurar ilícitos a partir de notícias que recebe e de comunicá-los" ao Ministério Público. "Uma função central dos Escritórios de Pesquisa e Inteligência, como aquele que o auditor Roberto Leonel chefiava, é exatamente fazer pesquisa e investigação."
Outros três procuradores da Lava-Jato, Orlando Martello, Paulo Roberto Galvão e Roberson Pozzobon, escreveram um artigo para o jornal O Estado de S. Paulo também neste domingo no qual defendem que a cooperação entre diferentes órgãos estatais foi um dos fatores de sucesso da Lava-Jato.
No texto, dizem que a afirmação de que houve acesso ilegal a dados é equivocada e "fruto da incompreensão sobre o tema".
"O Estado funciona melhor na repressão de crimes de colarinho branco quando Ministério Público, Receita Federal, Polícia Federal, Coaf, Cade, CGU e outros órgãos cooperam entre si ou quando cada um se isola? A resposta é óbvia."
Os três integrantes da força-tarefa também afirmam que as atividades do escritório de inteligência, que era dirigido por Leonel no Paraná, permitiram que "o MPF fosse subsidiado pela Receita com importantes provas e informações, fundamentais para que complexas operações de lavagem de dinheiro viessem à tona e seus autores fossem responsabilizados criminalmente".
Reação da defesa de Lula
Nota assinada pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Martins, que defendem o ex-presidente Lula, afirma que o fato de os procuradores conversarem sobre consulta a dados do Imposto de Renda do caseiro em data anterior à quebra de sigilo autorizada pela Justiça mostra que "autoridades agiam sem qualquer apreço às garantias fundamentais, à margem do devido processo legal orientadas por uma prática intimidatória e arbitrária visando a aniquilar o direito de defesa".
A quebra do sigilo do caseiro Élcio Vieira, conhecido como Maradona, só foi autorizada pelo então juiz Sergio Moro em 22 de fevereiro de 2016. A conversa sobre "olhada informal" nos dados ocorreu uma semana antes.
A defesa disse na nota que a quebra de sigilo sem autorização configura crime e que a situação pode configurar também abuso de autoridade.
"Antes de qualquer decisão judicial de quebra dos sigilos os procuradores da Lava Jato e ocupantes de elevados cargos da Receita Federal acessavam informal e permanentemente informações e dados protegidos pelo sigilo constitucional e legal contra alvos previamente eleitos e todas as pessoas a ele relacionadas", escreveram os dois advogados.
Para a defesa, o caso reitera a necessidade de anulação dos processos relativos ao ex-presidente. Ele cumpre pena por corrupção e lavagem na ação penal sobre o tríplex de Guarujá (SP) e foi também condenado em primeira instância no processo sobre o sítio de Atibaia (SP).