Para a Polícia Federal (PF), Walter Delgatti Neto — um dos quatro suspeitos de atuar como hacker, presos na terça-feira (23) — foi a fonte do material publicado pelo site The Intercept Brasil com conversas de autoridades da Lava-Jato. Em depoimento, Delgatti disse que encaminhou as mensagens ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site, de forma anônima, voluntária e sem cobrança financeira.
Os contatos com Greenwald foram, segundo o preso, virtuais, somente pelo aplicativo de conversas Telegram, e ocorreram depois que os ataques aos celulares das autoridades já tinham sido efetuados.
A polícia agora trabalha para confirmar se as informações dadas por Delgatti, de que agiu de forma voluntária e sem pedir dinheiro em troca, são verdadeiras.
Não há até agora indício de que tenha havido pagamento pelo material divulgado, segundo investigadores.
Em depoimento, Delgatti afirmou ainda ter agido neste caso por não concordar com os caminhos da Lava Jato. A apuração da PF é de que o grupo hackeava contas do Telegram e contas bancárias por dinheiro.
A perícia criminal da Polícia Federal copiou dados guardados pelo suspeito em plataformas de nuvens na internet que sugerem veracidade em pelo menos algumas das declarações de Delgatti.
Nesse material, estavam conversas entre procuradores da Lava Jato como as que foram divulgadas pelo The Intercept.
De acordo com envolvidos na busca e apreensão na terça, um celular de Delgatti estava na conta do Telegram do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando agentes chegaram para realizar a operação.
O episódio, para a PF, reforça que era o mesmo grupo que agia.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, já havia associado a prisão dos quatro suspeitos à divulgação, pelo site de mensagens que mostram interferência do ex-juiz da Lava Jato nas investigações da força-tarefa.
"Parabenizo a Polícia Federal pela investigação do grupo de hackers, assim como o MPF [Ministério Público Federal] e a Justiça Federal. Pessoas com antecedentes criminais, envolvidas em várias espécies de crimes. Elas, a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crime", escreveu Moro no Twitter nesta quarta-feira (24).
Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram a partir de 2015.
Além de Delgatti, foram presos Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira e Danilo Cristiano Marques.
Os quatro suspeitos foram detidos temporariamente (por cinco dias, prorrogáveis por mais cinco) na terça-feira. As ordens de prisão foram cumpridas em São Paulo, Araraquara (SP) e Ribeirão Preto (SP). Os envolvidos foram transferidos para Brasília.
Os jornalistas responsáveis pelo The Intercept Brasil rebateram a mensagem de Moro. Glenn Greenwald disse no Twitter que o ministro da Justiça "está tentando cinicamente explorar essas prisões para lançar dúvidas sobre a autenticidade do material jornalístico".
"Nunca falamos sobre a fonte. Essa acusação de que esses supostos criminosos presos agora são nossa fonte fica por sua conta [Moro]", acrescentou Leandro Demori, editor-executivo do Intercept.
Na decisão que fundamentou as prisões, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do DF, apontou "fortes indícios" de que os quatro investigados "integram organização criminosa para a prática de crimes e se uniram para violar o sigilo telefônico de diversas autoridades brasileiras via invasão do aplicativo Telegram."
Segundo ele, os fatos demonstram que os suspeitos são "responsáveis pela prática de delitos graves".
O inquérito em curso foi aberto em Brasília para apurar, inicialmente, o ataque a aparelhos de Moro, do juiz federal Abel Gomes, relator da Lava Jato no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), do juiz federal no Rio Flávio Lucas e dos delegados da PF em São Paulo Rafael Fernandes e Flávio Reis.
Segundo investigadores, a apuração mostrou que o celular do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, também foi alvo do grupo. O caso dessas autoridades está sendo tratado em inquérito aberto pela Polícia Federal no Paraná.
A Folha de S.Paulo teve acesso ao pacote de mensagens atribuídas aos procuradores da força-tarefa da Lava Jato e ao então juiz Sergio Moro e obtidas pelo site The Intercept Brasil.
O site permitiu que o jornal analisasse o seu acervo, que diz ter recebido de uma fonte anônima. A Folha não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado. O jornal já publicou cinco reportagens decorrentes deste acesso.
A Folha de S.Paulo não comete ato ilícito para obter informações, nem pede que ato ilícito seja cometido neste sentido; pode, no entanto, publicar informações que foram fruto de ato ilícito se houver interesse público no material apurado.
ENTENDA A OPERAÇÃO
Qual o resultado da operação da PF?
Nesta terça (23), quatro pessoas foram presas sob suspeita de hackear telefones de autoridades, incluindo Moro e Deltan. Foram cumpridas 11 ordens judiciais, das quais 7 de busca e apreensão e 4 de prisão temporária nas cidades de São Paulo, Araraquara (SP) e Ribeirão Preto (SP). Os quatro presos foram transferidos para Brasília, onde prestariam depoimento à PF
As prisões têm relação com as mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava Jato divulgadas desde junho pelo site The Intercept Brasil?
A investigação ainda não conseguiu estabelecer com exatidão se o grupo sob investigação em São Paulo tem ligação com o pacote de mensagens. Também não há provas de que os diálogos, enviados ao Intercept por fonte anônima, foram obtidos a partir de ataque hacker
Como a investigação começou?
O inquérito em curso foi aberto em Brasília para apurar, inicialmente, o ataque a aparelhos de Moro, do juiz federal Abel Gomes, relator da Lava Jato no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), do juiz federal no Rio Flávio Lucas e dos delegados da PF em São Paulo Rafael Fernandes e Flávio Reis. Segundo investigadores, a apuração mostrou que o celular de Deltan também foi alvo do grupo
Quando Moro foi hackeado?
Segundo o ministro afirmou ao Senado, em 4 de junho, por volta das 18h, seu próprio número lhe telefonou três vezes. Segundo a Polícia Federal, os invasores não roubaram dados do aparelho. De acordo com o Intercept, não há ligação entre as mensagens e o ataque, visto que o pacote de conversas já estava com o site quando ocorreu a invasão