A venda de CEEE, CRM e Sulgás poderá garantir, no curto prazo, o ingresso de cerca de R$ 1,5 bilhão nos cofres do governo do Estado. A projeção leva em consideração expectativa do valor de mercado das empresas, estimado pelo próprio governador Eduardo Leite em R$ 3 bilhões, e a legislação do regime de recuperação fiscal (RRF), cujas regras permitem que o Estado possa contrair empréstimo de até "50% do valor de avaliação das empresas a serem privatizadas". O governador, no entanto, disse nesta quarta-feira (3) em entrevista coletiva que espera obter R$ 3 bilhões de ingresso no caixa, incluindo outras medidas, como a venda de ações do Banrisul.
— Temos convicção de que temos condição de aderir ao regime de recuperação fiscal para antecipar a receita das vendas (das estatais). Isso vai nos permitir buscar crédito no mercado, junto a bancos, para alcançarmos até R$ 3 bilhões de antecipação de receitas das privatizações, que vão nos ajudar a cumprir com esse compromisso dos passivos e liberar nosso orçamento para pagar salários em dia — afirmou Leite pela manhã.
O valor estimado é o dobro do previsto de acordo com a legislação do RRF. No início da noite, questionada por GaúchaZH, a assessoria do governador afirmou que a previsão de R$ 3 bilhões inclui a receita das privatizações no valor de R$ 1,5 bilhão e cifras de outras operações, como oferta de ações do Banrisul.
Embora o Piratini tenha delegado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a tarefa de estipular o preço mínimo pelo qual cada estatal será leiloada, o valor máximo do empréstimo será definido pela Secretaria do Tesouro Nacional, após avaliação prévia do montante que poderá ser obtido nas privatizações.
Esse estudo já vem sendo desenvolvido por técnicos do governo federal desde 2017, durante as negociações com o então governador José Ivo Sartori (PMDB). À época, não houve avanços porque a equipe econômica exigia a venda do Banrisul para aceitar o ingresso no RRF.
Agora, Leite espera obter êxito a partir da apresentação de outro plano de ajuste fiscal, sobretudo alterando a fórmula de cálculo das despesas com dívida e pessoal. Pelas regras do RRF, somente são aceitos Estados que comprovem comprometimento superior a 70% das receitas. O Estado supera esse índice, mas usa outra forma de calcular as despesas para evitar sanções previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal. O governador já adiantou que vai adotar o novo sistema, mas a mudança só será formalizada às vésperas da assinatura do acordo. Trata-se de uma precaução para evitar que ele venha a ser punido.
— Tem de ser mudado o cálculo. Não é um problema. Só deixou de se fazer (essa mudança) no passado porque, uma vez alterado o cálculo, o Estado está submetido a sanções na Lei de Responsabilidade Fiscal. O que vai nos deixar de ter a sanção é aderir ao RFF. O último passo para cumprir o objetivo (as exigências da União) é republicar os gastos para que o critério seja atendido — disse Leite.
O governador admitiu que pelo menos parte do passivo das estatais será absorvido pelo Estado:
— A questão dos passivos não é um problema, mas um ponto objetivo a ser observado com atenção. Não queremos deixar esse passivo como surpresa para o futuro, mas também não adianta querermos transferir tudo para a iniciativa privada a ponto de tornar desinteressante a aquisição. Ou, eventualmente, alguém adquirir, mas ficar tão preso ao passivo que não consegue investir.
Perguntas e respostas
1. Quem vai definir o valor das estatais à venda?
O valor de mercado de cada empresa será estipulado pelo BNDES. O banco estatal tem experiência em definir modelos de privatizações de estatais, sobretudo de energia. Por ser um órgão independente, também colabora para afastar suspeitas de ingerência política na condução do processo. O banco costuma contratar empresas de consultoria para auxiliar na avaliação.
2. Quando o valor será estipulado?
A expectativa da Secretaria de Minas e Energia é de que isso ocorra ainda neste ano. Técnicos do governo do Estado já mantiveram duas reuniões com técnicos do BNDES. Novos documentos serão enviados ao banco nos próximos dias. Uma das primeiras tarefas da equipe do BNDES será fazer um levantamento detalhado de todos os dados de desempenho de cada empresa, o chamado due dilligence. Somente a partir desse estudo será possível definir um preço mínimo a ser apresentado ao mercado, a valuation, levando em conta ativos e passivos.
3. Quando as empresas serão vendidas?
O governo do Estado trabalha com uma estimativa de que o leilão ocorra no segundo semestre de 2020. O calendário será apresentado pelo BNDES, ao término do processo de avaliação de valor. O Piratini não sabe ainda se elas serão oferecidas ao mercado em conjunto ou em oportunidades diferentes. Não há uma empresa prioritária para venda, mas o governo sabe que o caso da CRM pode ser o mais desafiante em razão do mercado menor.
4. Quando o valor mínimo de venda dessas estatais for definido, o Estado já poderá contrair novos empréstimos?
A contratação de empréstimos depende da adesão formal do governo do Estado ao regime de recuperação fiscal, e não da definição de valor mínimo pelo BNDES. Isso ocorrerá tão logo a equipe econômica aceite os termos do plano apresentado pelo Piratini e o governador altere a fórmula de cálculo dos gastos com pessoal. A partir da adesão, a Secretaria do Tesouro Nacional dá aval ao Estado para a contratação do empréstimo.
5. Qual o valor do empréstimo que o Estado poderá tomar?
Esse valor será definido pelo governo federal. Embora o BNDES faça uma avaliação do valor de mercado das estatais, quem define o volume de recursos que o Estado poderá tomar emprestado é a Secretaria do Tesouro Nacional, a partir de uma avaliação que o próprio governo faz das empresas. Conforme a legislação que rege o regime de recuperação fiscal, o financiamento será limitado a "50% do valor de avaliação das empresas a serem privatizadas". Esse montante a ser buscado ficaria em R$ 1,5 bilhão, conforme projeção do que poderá ser arrecadado com a venda das três estatais — CEEE, Sulgás e CRM. O governador Eduardo Leite tem falado em obter R$ 3 bilhões nos empréstimos e outras medidas.
6. Na melhor das hipóteses, quando o Estado poderá dispor desses recursos?
Tudo depende da assinatura da adesão ao regime de recuperação fiscal (RRF). O Piratini diz estar otimista com as negociações e espera formalizar o acordo nos próximos meses. Se a adesão sair logo, pode ser que consiga esse empréstimo-ponte até o fim do ano. O Rio de Janeiro, que enfrenta situação financeira semelhante à do Rio Grande do Sul, assinou a adesão ao RRF em setembro de 2017. Dois meses depois, o dinheiro do empréstimo ingressou em seus cofres. Na ocasião, como Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) foi avaliada em R$ 5,8 bilhões, o financiamento foi de R$ 2,9 bilhões.
7. O dinheiro obtido no financiamento poderá ser usado já neste ano para pagar servidores e fornecedores em atraso?
Mais uma vez, vai depender da formalização do acordo com a União e da assinatura do empréstimo. O governador Eduardo Leite garante que isso deve ocorrer ainda neste ano. Ele pretende usar os recursos para quitar passivos como parcelas remanescentes do 13º salário de 2018 e a dívida na área da saúde. A medida abriria espaço fiscal no orçamento, o que faz Leite manter a promessa de colocar em dia ainda em 2019 a folha de pagamentos dos servidores.