Embora os índices de desnutrição no Brasil tenham melhorado neste século, a parcela de pessoas que passam fome no país ainda é considerável, aponta estudo recém-divulgado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Em seu relatório anual sobre a fome no mundo, apresentado na última segunda-feira (15), a entidade aponta que a parcela de desnutridos no Brasil caiu de 4,6% da população no período de 2004-2006 para menos de 2,5% entre 2016 e 2018.
Ou seja, mesmo com a queda nos últimos anos, ainda poderia haver, aproximadamente, 5 milhões de pessoas desnutridas no país, aponta a organização, que é dirigida pelo brasileiro José Graziano.
No relatório, intitulado O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo, a FAO identifica o Brasil como um dos países em que o combate à fome sofreu as consequências da crise econômica.
A entidade estima que esse ponto de inflexão ocorreu no ano de 2012. Desde então, o país enfrentou uma das maiores recessões de sua história, e a economia, embora tenha parado de se contrair, não conseguiu engatar uma reação consistente.
O relatório aponta outros dados preocupantes
A prevalência de anemia entre mulheres em idade reprodutiva (de 15 a 49 anos) subiu. De acordo com dados do relatório, a parcela era de 25,3% em 2012 e chegou a 27,2% em 2016 (dado mais recente).
Já o índice de bebês que nascem abaixo do peso se manteve estável em 8,4% do total entre 2012 e 2015, de acordo com o estudo da FAO.
Outro ponto negativo da situação alimentar no Brasil, de acordo com o levantamento, é o aumento da obesidade entre os maiores de 18 anos. A parcela da população em sobrepeso subiu de 19,9% em 2012 para 22,3% em 2016.
O dado, aparentemente contraditório com o da escassez alimentar, é explicado pelo fato de que comidas ricas em açúcar e gordura, em geral industrializadas, tornaram-se mais acessíveis para a população de baixa renda.
Ou seja, as pessoas, mesmo quando comem, se alimentam de maneira errada.
— Alimentos nutritivos se tornaram relativamente mais caros do que comida rica em gordura, açúcar ou sal em economias emergentes como Brasil, China, México e África do Sul — aponta o relatório.
Não é possível que o principal representante do governo [Bolsonaro] diga que a fome não existe , diz diretor de ong que atua no combate à fome
Rodrigo Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania, entidade que há 25 anos milita no combate à fome no país, afirma que a falta de dados atualizados por parte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) torna muito difícil estimar o número de pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil.
Os dados mais recentes são de 2014, e a previsão de que fossem atualizados no ano passado não se confirmou, segundo ele. De qualquer forma, diz Afonso, é possível dizer com certeza que a situação deteriorou-se em razão da crise econômica e da falta de investimento em políticas sociais.
— Os índices de desnutrição vinham numa curva descendente, por causa da economia. Isso mudou, seja pela crise, seja por ideologia, por governos que reduziram o investimento em políticas sociais e em programas de transferência de renda — afirma.
Na estimativa da entidade, o número de pessoas que passam fome historicamente se alinha ao da população em situação de extrema pobreza. De acordo com o dado mais recente do IBGE, divulgado no ano passado, há cerca de 15 milhões de brasileiros nessa condição.
—Não é possível que o principal representante do governo [Bolsonaro] diga que a fome não existe — declarou Afonso.
De maneira global, diz o relatório, mais de 820 milhões de pessoas passam fome atualmente
— A fome está crescendo em quase todas as sub-regiões da África e, de maneira menos intensa, na América Latina e Ásia Ocidental [Oriente Médio] — afirma o diretor-executivo da Ação da Cidadania.
Alem disso, afirma a FAO, cerca de 2 bilhões de pessoas são afetadas de maneira moderada pela fome atualmente no mundo. Os dados da organização são coletados a partir de bases de dados nacionais e de entidades como o Banco Mundial.