BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em derrota do governo e do ministro Sergio Moro, a comissão do Congresso que analisa a medida provisória da reforma administrativa decidiu nesta quinta-feira (9) tirar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) da pasta da Justiça, transferindo-a para o Ministério da Economia.
Apesar do discurso do governo de que a permanência do órgão na Justiça era fundamental para o combate à corrupção, venceu a pressão de integrantes do centrão e da oposição, em uma nova derrota que expõe a fragilidade da base aliada do governo federal no Congresso.
Depois de três dias de sessão, a votação foi nominal: foram 14 votos a favor da mudança e 11 contra. O governo esperava manter o conselho com Moro com ao menos 15 votos na comissão.
Votaram pela mudança representantes de PP, PR, PSD, DEM, MDB, PSDB, PT, PDT e PSB.
O resultado da votação reforçou no governo o entendimento de que será preciso se aproximar do centrão para aprovar a agenda de Jair Bolsonaro.
"O centrão faz parte do congresso nacional. Temos que nos relacionar com o centrão. São representantes legítimos do povo brasileiro. São partidos políticos organizados. Vamos acabar com preconceitos, com críticas. Isso foi assim com todos os governos", disse o líder do governo no Senado e relator da MP, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Criado em 1998, o Coaf é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas.
O Coaf recebe informações de setores que são obrigados por lei a informar transações suspeitas de lavagem de dinheiro, como bancos e corretoras. O conselho analisa amostras desses informes e, se detectar suspeita de crime, encaminha o caso para o Ministério Público.
Durante a crise do Mensalão, ofícios do Coaf entregues à CPI dos Correios indicaram, por exemplo, grande volume de saques em espécie por parte da SMPB, empresa de Marcos Valério, o operador que abasteceu o esquema de pagamentos a políticos da base do governo petista.
Mais recentemente, o Coaf identificou movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). De acordo com o órgão, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 ao mesmo mês de 2017 -entraram em sua conta R$ 605 mil e saíram cerca de R$ 600 mil. A quantia foi considerada incompatível com o patrimônio do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
ENTENDA A REFORMA ADMINISTRATIVA
Principais pontos
Corta de 29 para 16 o número de ministérios; cria quatro pastas com status ministerial Casa Civil, Secretaria de Governo, Secretaria-Geral, GSI- e dois cargos com status de ministro: advogado-Geral da União e presidente do Banco Central
Extingue o Ministério do Trabalho e distribui atribuições entre Economia, Justiça e Cidadania
Economia herda atribuições dos antigos Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria, Comércio Exterior e Serviços
Cultura perde o status de ministério e vai para baixo do Ministério da Cidadania
Transfere para o Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas e quilombolas, antes sob Funai e Incra
Serviço Florestal Brasileiro, que fazia parte do Ministério do Meio Ambiente, vai para a gestão do Ministério da Agricultura
O que já caiu na comissão especial?
Coaf saiu do Ministério da Justiça e foi para o Ministério da Economia
Funai saiu do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e foi para o Ministério da Justiça. A demarcação de terras indígenas, que estava no Incra, no Ministério da Agricultura, também foi para a Justiça
Fiscalização do governo sobre ONGs foi derrubada
Foram recriados os Ministérios da Integração Nacional e das Cidades
Foi incluído um jabuti (proposta que nada tem a ver com a MP) que limita a atuação de auditores da Receita Federal
PRAZO DA MP
Nessa comissão mista do Congresso, na qual participam deputados e senadores, o governo sofreu uma outra derrota nesta quinta-feira, além do caso do Coaf. O processo de demarcação de terras indígenas, que havia sido transferido para o Incra, no Ministério da Agricultura, voltará agora para a Funai, no Ministério da Justiça. A mudança foi aprovada pro 15 votos a 9.
O texto do relator da MP já estabelecia a devolução da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Justiça. Pela reforma promovida por Bolsonaro no início da gestão, a fundação estava no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Ainda na comissão, foi mantido o jabuti (artigo que nada tem a ver com a matéria) que altera uma lei de 2002 e veda a investigação de crimes não fiscais por auditores fiscais. O jabuti foi incluído pelo relator a pedido do líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM). Foi mantido por 15 votos a 9.
"Três a zero", comemorou o líder do PP na Câmara Arthur Lira (PP-AL) ao falar com outros parlamentares sobre as três votações de destaques.
Um quarto destaque, que tirava da Secretaria de Governo o poder de monitorar a atividade de ONGs (organizações não governamentais), foi acatado pelo relator durante a sessão, sem necessidade de votação. A recriação dos Ministérios da Integração Nacional e das Cidades foi mantida.
Para que essa medida provisória não perca a validade e a reestruturação da Esplanada dos Ministérios promovida pelo presidente Bolsonaro no primeiro dia do ano seja desfeita, a MP precisa ser votada também nos plenários da Câmara e do Senado até 3 de junho -ou seja, a mudança do Coaf para a pasta da Economia, por exemplo, ainda precisa ser ratificada pelos plenários das Casas.
Integrantes de centrão, oposição e até o governo articulam na Câmara para que a MP seja votada ainda nesta quinta-feira.
"Somos favoráveis que o Coaf permaneça no Ministério da Justiça porque faz controle das atividades financeiras e é instrumento importantíssimo no combate à corrupção", disse o líder do Novo na Câmara, Marcel Van Hattem (RS).
Parlamentares contrários à permanência do órgão na Justiça argumentaram que manter o Coaf nas mãos de Moro poderia provocar uma superconcentração de poderes com o ex-juiz.
"Ele [Moro] conseguiu esta semana mudar uns dez votos. A mim ele não convenceu. Ele não me convenceu, como política de Estado, o que justificaria o Coaf ficar no Ministério da Justiça. Ele [o Coaf] funcionou muito bem até dezembro. De janeiro para cá, ele não funciona", disse o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (DEM-BA).
Parte do chamado centrão não quis atender ao pleito de Moro para a manutenção do Coaf no Ministério da Justiça. Líderes de partidos desse bloco chegaram a trocar integrantes que eram contra a mudança.
O centrão é formado por partidos que, apesar do discurso geral de apoio ao governo Bolsonaro, não têm se alinhado automaticamente ao presidente. São associados por bolsonaristas como a "velha política".
Inclui parlamentares de DEM, PP, PR, PTB, PRB, Pros, Podemos, Solidariedade, entre outras siglas menores na Câmara, somam cerca de 200 dos 513 deputados federais.
"Em relação ao Coaf, nós tivemos alguns fujões, que tinham se comprometido a deixar o Coaf com o Moro e estranhamente mudaram de ideia e alguns partidos que trocaram membros para que votassem pela retirada do Coaf. Foi uma manobra que foi feita", disse a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).
"Eu não consigo entender por que tanto temor de deixar o Coaf nas mãos do Ministério da Justiça. Esse temor excessivo me deixa com uma pulguenta atrás da orelha, disse a deputada, que também afirmou que ainda é cedo para se falar em tentar virar o jogo em plenário.
Já o relator da matéria disse que o governo vai, sim, tentar reverter o placar, embora admita que será ainda mais difícil.
"Claro que [o governo] foi derrotado porque queríamos que o Coaf ficasse com o ministro Sergio Moro. Era uma matéria muito polêmica, dividia a comissão como vai dividir o plenário da Câmara e do Senado. A gente se esforçou. Tínhamos a expectativa de ter a maioria da comissão, mas acabou não ocorrendo", disse Bezerra Coelho após a sessão.
No Ministério da Economia, o entendimento é o de que a polêmica foi motivada por Moro que, desde o princípio, disse querer ter o Coaf sob seu guarda-chuva.
Moro topou largar a carreira de juiz federal, que lhe deu fama de herói pela condução da Lava Jato, para virar ministro da Justiça. Disse ter aceitado o convite de Jair Bolsonaro (PSL), entre outras coisas, por estar "cansado de tomar bola nas costas". Tomou posse com o discurso de que teria total autonomia e com status de superministro. Desde que assumiu, porém, acumula recuos e derrotas.
No mês passado, em entrevista a um jornal português, Moro comparou uma indicação ao STF (Supremo Tribunal Federal) a ganhar na loteria. Seria [ir para o STF] como ganhar na loteria. Não é simples. O meu objetivo é apenas fazer o meu trabalho, disse, ao ser questionado sobre essa possibilidade.
Questionado se o STF seria uma opção segura caso sua vida política acabe mal, Moro afirmou que atualmente nem existem vagas na corte.
Pelo critério de aposentadoria compulsória aos 75 anos dos ministros do Supremo, as próximas vagas serão as de Celso de Mello, em novembro de 2020, e Marco Aurélio Mello, em julho de 2021.
RECUOS E DERROTAS DO SUPERMINISTRO MORO
DECRETO DAS ARMAS
Seu primeiro revés foi ainda em janeiro. O ministro tentou se desvincular da autoria da ideia de flexibilizar a posse de armas, dizendo nos bastidores estar apenas cumprindo ordens do presidente. Teve sua sugestão ignorada de limitar o registro por pessoa a duas armas -o decreto fixou o número em quatro
LARANJAS
No caso do escândalo de candidaturas de laranjas, enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a PF iria investigar se houvesse necessidade e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema
CAIXA DOIS
Por ordem do Palácio do Planalto, a proposta de criminalização do caixa dois, elaborada pelo ministro da Justiça, vai tramitar separadamente do restante do projeto anticrime
ILONA SZABÓ
Moro teve de demitir a especialista em segurança pública por determinação do presidente, após repercussão negativa da nomeação. Ilona Szabó já se disse contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas e criticou a ideia de ampliação do direito à legítima defesa que está no projeto do ministro