Fernando Henrique Cardoso foi entrevistado no Gaúcha Atualidade desta quarta-feira (17). Por cerca de 20 minutos, o ex-presidente falou sobre temas como a situação política do Brasil, os primeiros dias do governo Bolsonaro, a relação com o Congresso e o futuro do seu partido, o PSDB.
Ouça a íntegra da entrevista:
Veja os principais trechos da entrevista:
Situação atual do país
O governo atual representa uma etapa nova, só que dá a impressão de que ele não saiu de uma transição, não seguiu rumo. Para onde é que nós vamos? A maior preocupação é essa. A gente sabe o que não quer, mas não sabe o que quer. Qual é o caminho? O que nós vamos fazer? O mundo está avançando, e nós? Vamos ficar parados? Quais são as prioridades? O que realmente conta? (...)
Falta a figura do líder. Não é só no Brasil, onde há uma crise da chamada democracia representativa, e, aqui no nosso caso, é agravado pela fragmentação partidária enorme. Não se sabe muito bem para que lado vai o mundo, há uma certa angústia, aí ressalta a necessidade de liderança.
Esquerda ou direita?
Neste momento existe uma falta de referência. Eu nunca fui neoliberal no sentido que a esquerda atribuía, ou seja, de alguém que só olha para o mercado. Eu sempre olhei para a sociedade – para o povo, a educação, a saúde, a reforma agrária –, e ao mesmo tempo, para o mercado, para aumentar a produtividade e tudo mais. Quanto a essa questão de comunismo, isso é antiquado, isso é passado, acabou. Onde é que você tem o comunismo que pregue ideias do comunismo? Eu não sei onde, nem na China. (...) Não só para a política, mas isso mostra desorientação no Brasil.
Opção pelo "centro radical"
As pessoas vão do zero ao infinito, não sabem se situar onde acho que devemos estar, que é na posição que eu tenho chamado de "centro radical", que não vá para os extremos. (...) Estamos em um momento em que a sensatez dá a impressão de que é ou esquerda antiquada ou comunismo, e não é. Ou então direita, e não pode. A sensatez tem que estar no realismo, no realismo esperançoso.
O Congresso mostrou que tem força. Os presidentes que não entenderam isso sofreram muito, e muitos até caíram.
Política e relação com o Congresso
Na democracia, tem que ter apoio do Congresso. E como se tem apoio do Congresso? Primeiro, com apoio da população. Se o presidente está bem com a população, é mais fácil o relacionamento com o Congresso. Segundo, é discutindo as ideias que o governo tem para o Brasil. (...) Terceiro, é o que eles chamam de dar atenção ao Congresso. Falta ouvir, dar atenção. Quando é razoável atender ao pedido que é para o que bem da comunidade que ele representa, tem que atender o pedido, não é feio. Feio é você fazer negociações sem projeto, ou pior ainda, quando dá uma apenas vantagem.
Criminalização da política
Em termos gerais, é verdade que há uma criminalização da política. Quando se criminaliza muito a política, dá em ditadura. (...) Tem que haver transparência na conversa. Os deputados têm direito de exigir para a sua comunidade o que eles bem entenderem. Cabe ao governo entender se aquilo é justo ou não. Negociação política faz parte da vida, não tem que ser por baixo dos panos.
Reforma da Previdência
Eu acho que o governo está fazendo o que tem que fazer: apresentar uma reforma da Previdência. Vamos discutir o que está de acordo e o que não está. Primeiro vamos ver se está certo o cálculo. (…) De fato, os privilégios estão sendo cortados? Parece que em certos casos sim, mas em outros não. (...) A questão da idade mínima é necessária.
A força do Congresso
Nesse semestre eu acho difícil (aprovar a reforma). É difícil imaginar. (…) O Congresso mostrou que tem força e ele existe. Os presidentes que não entenderam isso sofreram muito, e muitos até caíram. Tem que entender isso, a divisão entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não tem que haver uma guerra entre eles. Tem que haver equilíbrio entre os poderes.
O governo tem dado cabeçadas grandes na área educacional
Censura e fake news
Na ditadura existia realmente censura, era um inferno. Agora, eu não tenho conhecimento jurídico para fazer um limite do que é correto ou não da ação do ministro Alexandre de Moraes (que censurou a revista Crusoé e o site O Antagonista). Uma coisa tem que ser reconhecida: as questões nas redes sociais têm muita mentira. Eu não tenho apartamento em Paris (como afirmam), eu só tenho aqui em São Paulo e nada mais. Eu tenho uma aposentadoria compulsória e nada mais. Está errado. E repetem, repetem, repetem. Tem que haver também uma proibição dessas questões. Claro que não pode censura prévia.
Situação da educação no Brasil
Eu acho que está bastante perdido (o governo Bolsonaro na área da Educação). Veja, eu tive o mesmo ministro durante oito anos. (...) É muito importante da continuidade, ter um projeto e levar adiante esse projeto. (...) Houve aprovação recente das bases estruturais nacionais, e nada disso foi levado em conta pelos novos ministros que estão sendo nomeados. Parece que eles vêm com ideias meramente ideológicas. Eu sou contra que haja partido em escola. Sou contra qualquer partido, de esquerda ou de direita. As pessoas têm partido, os professores têm partido e mesmo que não queiram transmitem alguma de suas convicções, mas não pode deixar de mostrar os dois lados. (...) Não adianta trocar um lado pelo outro. Agora, o que está sendo proposto no Brasil é ter uma escola de esquerda, outra de direita... não é nem de direita, é uma escola atrasada, reacionária. Isso é inviável, é contra a cultura. O governo tem dado cabeçadas grandes na área educacional.
Futuro do PSDB
O PSDB tem que se renovar, ter esse compromisso mais claro com o comportamento ético, aberto. (...) O PSDB não tem porque defender o que está errado, mas tem que se atualizar. (...) Um partido que não olhe para o povo brasileiro tal como é, não é digno de governar o Brasil, nem vai conseguir governar o Brasil.