A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) já começaram a rastrear convênios e verbas para dar impulso àquilo que o presidente Jair Bolsonaro anunciou, há três semanas, como Lava-Jato da Educação. Entre os alvos estão importantes iniciativas do governo federal no setor: o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
– O Brasil gasta mais em educação, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), do que a média de países desenvolvidos. Em 2003, o Ministério da Educação (MEC) investiu cerca de R$ 30 bilhões. Em 2016, gastando quatro vezes mais, chegou a cerca de R$ 130 bilhões. Mesmo assim, ocupa as últimas posições no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) – justificou Bolsonaro, ao anunciar parceria entre o MEC e a PF para investigar programas educacionais.
Estão na mira bolsas distribuídas pelo ministério nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff (ambos do PT) e Michel Temer (PMDB). Entre as gestões auditadas devem estar as dos ex-ministros da Educação Fernando Haddad (candidato petista derrotado por Bolsonaro na recente eleição à Presidência), Aloizio Mercadante (PT) e José Mendonça Filho (DEM).
Sem adiantar detalhes, PF e CGU confirmam que vão checar possíveis desvios no financiamento de programas pelo sistema S (Senai, Senac e Senar), na concessão de bolsas de ensino a distância e em despesas de universidades federais. A suspeita é de falhas, sobrepreços e desperdícios.
ZH teve acesso a auditorias feitas pela CGU no ProUni, no Pronatec e no Fies, que devem servir de alicerce para a investigação da PF. A maioria das irregularidades apontadas envolve o ProUni, destinado a dar acesso ao Ensino Superior a estudantes de baixa renda, selecionados mediante desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O programa oferece bolsas de estudos integrais (100%) e parciais (50%) em instituições privadas de educação superior. Os beneficiários devem ter renda per capita familiar bruta de até três salários mínimos. As bolsas também são extensivas aos professores da rede pública de ensino que exercem magistério da educação básica.
Entre 2009 e 2014, a CGU apontou 34.921 indícios de irregularidade no cadastro de estudantes beneficiados pelo ProUni. Desses, 15.559 tiveram suas bolsas encerradas no período, após ter sido concedido prazo para que os alunos se justificassem.
O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou cruzamento de dados com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, e encontrou 23 mil estudantes com renda superior ao exigido no ProUni, nesse intervalo de tempo.
A PF vai apurar se há conexão entre os casos e se há fraude planejada, porque auditorias continuaram a levantar irregularidades nos anos seguintes. No período entre 2015 e 2017, as principais irregularidades constatadas por CGU e TCU foram as seguintes:
- Existência de beneficiários falecidos na situação de matriculados no programa.
- Concessões a bolsistas com renda familiar acima da prevista para ser beneficiado pelo programa (1,5 salário mínimo para bolsa integral e três salários mínimos para bolsa parcial, de 50%).
- Candidatos aprovados que deixaram de comprovar ao menos um critério de elegibilidade (escolaridade, residência e renda do grupo familiar). O índice foi de 12,2%.
- Registro de bolsistas que receberam o benefício e não são brasileiros natos ou naturalizados (condição obrigatória para aderir ao programa).
- Existência de beneficiados que têm duas bolsas ativas (o que é vetado).
- Seleção de candidatos para campi que não funcionavam.
- Alto índice de ociosidade das vagas das bolsas ofertadas, com média de 22%.
490 mortos inscritos no ensino técnico
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) também foi auditado pela Controladoria-Geral da União (CGU). Ele promove parcerias com entidades públicas e privadas especializadas para a oferta de cursos gratuitos de qualificação profissional e tecnológica, de acordo com as necessidades do mercado de trabalho local.
Entre as principais irregularidades detectadas de 2011 a 2016 estão: menores de 14 anos (o que é vetado), estudantes com mais de três cursos de formação inicial e continuada por ano (também proibido), alunos mortos (registrados no Sistema de Controle de Óbito, o Sisobinet) e estudantes contabilizados em duplicidade no mesmo curso, mas em programas distintos.
O caso dos mortos é um dos que mais chama a atenção. Em 2012, foi constatado que um aluno estava registrado no Sisobinet, com falecimento em 2009, mas foi matriculado em um curso para 2013. Ao todo, foram encontrados pela auditoria, de 2011 a 2016, 490 CPFs de pessoas mortas, mas aceitas como bolsistas.
- É possível que muitos tenham morrido ao longo do curso, mas outros, como constatou a auditoria da CGU, foram matriculados após a morte - diz uma fonte com acesso aos dados.
Outro problema identificado é que, mesmo diante de desistências no programa Bolsa-Formação (o principal do Pronatec), bolsistas continuaram a ser contabilizados, e as instituições responsáveis pelas aulas mantiveram o recebimento de verbas, mesmo sem que esses estudantes estivessem em aula.
Sob suspeita
NO PROUNI
Mortos
Do cruzamento dos dados do Sistema Informatizado de Controle de Óbitos com os do ProUni verificou-se a existência de 47 beneficiários matriculados e já falecidos. Destes, um morreu antes de se tornar bolsista, e os demais, após o recebimento do benefício.
Dados desatualizados
Em pesquisa por amostragem realizada em 2012, foram analisados dados de 1.889 bolsistas (de 135 mil que existiam nesse ano). Desses, 48,3% não foram encontrados em razão da desatualização de endereços e telefones na base de dados.
Critérios não comprovados
Da mesma amostra, verificou-se que 12,2% dos 1.879 candidatos aprovados nos processos seletivos deixaram de confirmar pelo menos um dos critérios exigidos para a bolsa: escolaridade, residência e renda do grupo familiar.
Estrangeiros
O ProUni só pode beneficiar brasileiros. Em consulta à base do programa foi identificada a existência de 58 registros de candidatos que informaram não serem brasileiros natos ou naturalizados.
Várias bolsas
O programa permite apenas uma bolsa por pessoa. No cruzamento do cadastro com CPF foram encontrados seis beneficiados com duas.
Má gestão
Auditoria aponta que o índice de ociosidade (recursos previstos, mas não usados) das bolsas ofertadas para o ProUni entre 2006 e 2012 foi, em média, de 22%. Isso mostra falha de planejamento e investimento equivocado do dinheiro. O MEC associa essa situação ao fato de as universidades nem sempre conseguirem montar turmas nos cursos oferecidos. O TCU aponta que, no período de 2008 a 2012, 330.797 vagas ficaram ociosas.
Arrecadação menor
A existência de ociosidade de bolsas resulta em receita a menos ao governo federal. As instituições de ensino recebem isenção fiscal com base na oferta dos benefícios em vez da presença. O TCU estima que os cofres públicos deixaram de receber pelo menos R$ 1 bilhão entre 2010 e 2013.
Carros de luxo e aeronaves
A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) realizou auditoria no ProUni, ainda sigilosa, que já identificou ao menos 49 bolsistas que são donos de embarcações. Outros 65 têm carros de luxo e três constam como donos de aeronaves. O benefício é destinado a pessoas cuja renda familiar é de até três salários mínimos.
NO PRONATEC
NO FIES
Auditoria estimou em R$ 73 milhões o sobrepreço, por ano, do custo das bolsas. As faculdades dariam benefícios com valor inferior ao do que recebiam do Fundo de Financiamento Estudantil. Por exemplo, foram detectadas ocorrências de alunos de Odontologia cujo contrato no Fies tem mensalidade de R$ 1.952,64, ante bolsas ofertadas com previsão de dispêndio de R$ 976,25. Ou de alunos de Direito com mensalidade no fundo de R$ 1.935,98, com bolsas para o curso de R$ 967,99.