Depois de receber sete apontamentos de possíveis irregularidades na prestação de contas de campanha, descritos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ao longo de 18 páginas, a defesa da empresária Carmen Flores, candidata ao Senado em 2018, época em que presidia o PSL gaúcho, protocolou justificativa por escrito em que admite a ocorrência de "vários erros". Ela apresentou documentos e até um boletim de ocorrência na Polícia Civil, dizendo que a responsabilidade pelos equívocos foi do contador responsável pelas contas de campanha.
Os itens destacados pelo TRE vão desde a suposta utilização irregular de recursos públicos durante a disputa eleitoral, incluindo pagamentos a familiares e compras em loja de móveis que leva o nome da empresária, até operações bancárias sucessivas, realizadas na boca do caixa, que podem ter resultado na ocultação da origem dos recursos, diz o apontamento.
A defesa de Carmen apresentou fatos até então desconhecidos: o imóvel alugado pela candidatura da empresária como comitê de campanha, que gerou pagamentos de aluguel a sua filha, esteve locado por cinco meses ao mesmo tempo para o diretório estadual do PSL, o que gerou aluguéis em duplicidade em favor da sua família.
"Em momento algum a candidata agiu para ludibriar a legislação eleitoral ou utilizar indevidamente recurso público", diz trecho da defesa assinada pelo advogado Lucas Ceccacci, representante de Carmen na Justiça Eleitoral.
Um dos principais questionamentos do TRE à empresária é sobre as 76 operações sucessivas feitas por ela e por um contador na conta de campanha em três dias após a eleição, totalizando movimentação atípica de R$ 75.680,00. Foram depósitos que, em maioria, tiveram valor de R$ 1 mil, abaixo de R$ 1.064, referência que obriga que se faça a movimentação por transferência eletrônica entre contas. As transações foram efetivadas na boca do caixa e, nos mesmos dias em que depositava, Carmen sacava os valores integrais - ou próximos disso - em operação única.
O TRE destaca que esse tipo de prática contraria as regras eleitorais, que vedam depósitos sucessivos por uma mesma pessoa, feitos nos mesmos dias. A defesa apresentou cópia da declaração do imposto de renda para alegar que Carmen tinha condições de fazer os aportes na sua conta de campanha como forma de doação.
"Os depósitos foram realizados baseados na determinação legal de que os depósitos em espécie devem ser realizados no limite de R$ 1.064,10. Os doadores possuem capacidade financeira para a realização das doações, tanto que foram devidamente lançadas nas respectivas declarações de imposto de renda para fins de comprovação da origem dos recursos. Trata-se de erro formal", diz o texto da defesa.
Segundo documentos anexados ao processo, Carmen declarou, no imposto de renda, ter somado o total de R$ 71.448,00 de rendimentos tributáveis em 2018. Neste mesmo ano, fez doações para a sua campanha ao Senado, a partir dos depósitos sucessivos, de R$ 59.660,00. Isso significa que 83,5% das receitas tributáveis da empresária em 2018 foram empregadas na eleição, conforme indica o seu IRPF. Questionado pela reportagem sobre o fato de Carmen ter doado quase tudo o que obteve de receita declarada, o advogado Ceccacci afirmou que irá "aguardar a manifestação da equipe técnica" da Justiça Eleitoral.
Agora, a partir dos esclarecimentos, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria do TRE emitirá um parecer final sobre o caso. O Ministério Público Federal, logo depois, se manifestará pela aprovação ou reprovação das contas de campanha, que serão julgadas no pleno do TRE.
Confira abaixo os principais itens dos demais apontamentos do TRE e as alegações da defesa da Carmen:
1 - Diz o TRE: seis notas fiscais emitidas por empresas diferentes tiveram como contratante o CNPJ da campanha de Carmen, mas os gastos não foram declarados, o que o tribunal considerou como "falha grave uma vez que não é possível identificar a origem dos recursos que foram utilizados para o pagamento destas despesas".
Diz a defesa de Carmen: alega que as notas foram "emitidas equivocadamente". Diz que foi o partido, o PSL à época presidido por ela, quem fez os pagamentos. Com relação a quatro empresas, a defesa diz que foi solicitada a "correção da nota", mas elas teriam se negado. A ex-candidata, então, registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil em 11 de março, último dia de prazo para apresentação da defesa, dizendo que as prestadoras de serviço se negaram reparar os supostos equívocos.
2 - Diz o TRE: uso de recursos públicos do Fefc para comprar móveis em uma loja da rede Carmen Flores, em Xangri-Lá. O negócio somou R$ 34 mil e foi efetuado após o término do primeiro turno da eleição de 2018, quando se encerrou a participação de Carmen como candidata. Para o órgão, pode caracterizar "aplicação irregular de recursos públicos".
Diz a defesa de Carmen: alega que a emissora das notas fiscais é uma franqueada de Carmen Flores, mas a propriedade não é da ex-candidata, e sim de um homem chamado Wilson Moraes. Afirma que um erro levou a compra a ser lançada com data posterior à eleição. Apresentou uma "ordem de compra" com data de 12 de agosto de 2018, o que comprovaria que "a despesa foi realizada no período permitido".
"Ocorre que a empresa franqueada deixou de emitir a competente nota fiscal e, ao finalizar a prestação de contas, se verificou que não houve o pagamento dos móveis, razão pela qual foi solicitada a sua emissão e realizado o respectivo pagamento", escreve a defesa. Ela disse ainda que os bens móveis foram "devolvidos e estão à disposição da direção partidária".
3 - Diz o TRE: Gasto de R$ 40 mil, com recursos do Fefc, para quitar aluguel de um imóvel junto à empresa Bel Inácio Imóveis, que pertence à filha de Carmen. A locação teve validade entre maio e outubro de 2018, segundo o contrato, o que violaria as regras eleitorais em função de a despesa ter se iniciado antes da convenção eleitoral do PSL.
Diz a defesa de Carmen: O imóvel, localizado na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre, pertence a uma empresa chamada Junqueira Comércio de Móveis e que, desde dezembro de 2016, ele é locado para a Bel Inácio. Narra que a Bel Inácio Móveis, empresa da filha de Carmen, sublocou o imóvel para a direção estadual do PSL entre maio e dezembro de 2018. A defesa apresentou dois contratos de locação do mesmo imóvel. Um em nome do PSL, entre maio e dezembro, ao custo de R$ 66,2 mil. E outro em nome da candidata Carmen, entre maio e outubro de 2018, ao preço de R$ 40 mil. Isso indica que, entre maio e outubro, o imóvel esteve alugado ao mesmo tempo para a candidatura de Carmen e para o PSL.
— O contrato do PSL ficou suspenso durante o período eleitoral e, por isso, foi feito um contrato direto com a candidata — explicou Ceccacci, ao ser questionado pela reportagem.