O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou, nesta quarta-feira (30), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a deixar da prisão em Curitiba, para se encontrar com familiares em São Paulo, devido à morte de seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá. A decisão saiu minutos antes do sepultamento de Vavá.
No texto, Toffoli permite que Lula vá até unidade militar na região de São Bernardo do Campo, cidade em que os cortejos fúnebres de Vavá — que morreu na terça-feira (29), aos 79 anos — estão sendo realizados.
Confira a íntegra da decisão:
"DECISÃO:
Vistos.
Cuida-se de requerimento incidental (Petição/STF nº 2.697/19), mediante o qual a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, pleiteia, resumidamente, que lhe seja assegurado o direito de comparecimento ao velório e sepultamento de seu irmão, marcado para esta data, às 13h, em São Bernardo do Campo/SP.
É a síntese do necessário.
Decido.
Destaco, inicialmente, que a presente reclamação foi ajuizada sob o fundamento de que a Juíza Federal da 12ª Vara Federal de Curitiba teria afrontado a decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130/DF.
Portanto, o direito vindicado no presente requerimento, à luz de bem lançada fundamentação, não guarda identidade com o que ficou decidido na ADPF nº 130/DF.
Ausente, portanto, identidade com o acórdão paradigma, a improcedência do pedido seria medida de estilo.
Nada impede, todavia, que se conceda ordem de habeas corpus ex officio, quando evidenciado constrangimento ilegal flagrante no direito de locomoção.
Por essa perspectiva e frente ao notório perecimento do direito vindicado, analiso a questão.
Anoto ser direito do requerente pleitear autorização para sair do estabelecimento prisional, mediante escolta, na hipótese de falecimento de descendente ou irmão. Vide:
'Art. 120. Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos:
I - falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; (...)'
Portanto, sendo fato público e notório a relação de parentesco do requerente com o de cujus, não há dúvidas de que o requisito da lei foi atendido.
Não obstante, vieram aos autos manifestação da autoridade policial responsável quanto à impossibilidade de ser autorizado ou viabilizado 'o comparecimento ao velório de seu irmão em São Bernardo do Campo/SP'(doc. 67).
Eis o teor da manifestação em questão:
'Trata-se de pedido formulado por advogado constituído por preso recolhido nesta Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, para que o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja autorizado a comparecer ao velório de seu irmão em São Bernardo do Campo/SP, cujo sepultamento está marcado para as 13:00 de amanhã, 30/01/2019.
Para que fosse possível decidir sobre o presente caso, foram feitas as devidas análises de risco por parte da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, bem como o apontamento da logística necessário para a escolta e transporte do preso em segurança e em tempo de 'ser assegurado ao Peticionário a oportunidade de participar da integralidade dos ritos post mortem de seu irmão' conforme requerido.
No tocante à logística necessária para sua retirada da cela em Curitiba com trajeto passando pelo aeroporto de São José dos Pinhais/PR, aeroporto de São Paulo e Cemitério de São Bernardo do Campo/SP, para que tudo fosse feito em tempo oportuno e com a devida segurança, seria necessário um transporte de helicóptero da sede da Superintendência da PF em Curitiba até o primeiro aeroporto, uma aeronave da PF – com a devida segurança e piloto próprio – para o transporte entre Curitiba e São Paulo/SP e outro helicóptero até o cemitério.
Consultada a Coordenação de Aviação Operacional da PF, sobreveio a informação de que no momento os helicópteros que não estão em manutenção estão sendo utilizados para apoio aos resgates das vítimas de Brumadinho.
Além disso, a aeronave de asa fixa, disponível no momento, por questões de segurança poderia voar somente a partir das 6:00 de 30/01/2019, cujo tempo estimado entre a vinda da aeronave de Brasília, chegada em Curitiba e deste local para o Aeroporto de Congonhas, demandaria no mínimo 6 (seis) horas, considerando o tempo dos vôos, movimentação em pista e abastecimento em Curitiba/PR.
Sobre o deslocamento do aeroporto de Congonhas ao Cemitério de São Bernardo do Campo/SP seriam necessárias mais 2 (duas) horas.
Feitas as considerações no tocante ao meio de deslocamento, o que por si só resta inviabilizado o atendimento ao pedido, seja porque os helicópteros da PF estão sendo utilizados no momento em Minas Gerais, para auxiliar nos resgastes de Brumadinho, seja pela ausência de tempo hábil para o deslocamento da única aeronave da PF disponível no momento, restam as ponderações relativas às análises de risco e do efetivo policial que seria necessário empregar para uma escolta como esta.
No tocante à análise de risco, os levantamentos realizados pela Diretoria de Inteligência da PF – DIP - levaram em consideração as seguintes situações que poderiam ocasionar desde um simples atraso no transporte até um acontecimento gravíssimo: 1 - Fuga ou resgate do ex-presidente Lula; 2 - Atentado contra a vida do ex-presidente Lula; 3 - Atentados contra agentes públicos; 4 - Comprometimento da ordem pública; 5 - Protestos de simpatizantes e apoiadores do expresidente Lula; 6 - Protestos de grupos de pressão contrários ao ex-presidente Lula.
Confirmando a grande probabilidade de manifestações junto ao local solicitado para o comparecimento, foi apontado pela DIP que:
'Em vídeo publicado no Youtube, o Senador Lindbergh Farias, líder do PT no Senado, convoca as pessoas para comparecerem a São Bernardo do Campo, que, segundo ele, será 'um espaço importante de defesa da democracia e de repudiarmos toda essa perseguição que acontece com a família do presidente Lula e o presidente Lula' (link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=OfTmyLXAIWo)
A tendência é que a militância petista compareça em grande número ao cemitério para tentar se aproximar de Lula, que, mesmo preso, continua exercendo forte liderança dentro do partido e entre simpatizantes.
Um evento que embasa essa afirmação é a "Vigília Lula Livre", em que militantes petistas estão, há 298 dias, em vigília permanente nas proximidades do edifício da SR/PF/PR, onde Lula está preso. A vigília teve reforço de caravanas de apoiadores durante o Ano Novo, tendo sido estimada a presença de 2 mil pessoas, que deram um "abraço" em volta do prédio e estenderam uma faixa de 60 metros em frente à SR com os dizeres "Lula Livre". Além disso, está sendo veiculado na mídia a possível indicação de Lula para o prêmio Nobel da Paz por ter combatido a fome e a miséria enquanto governou o país. Para tanto, tem circulado um abaixo-assinado que já recebeu quase 500 mil assinaturas. A campanha para a formalização da candidatura de Lula ao prêmio termina na próxima quinta-feira (31).
Dessa forma, sendo deferido o pedido feito pela defesa, deve-se considerar: a) a alta capacidade de mobilização dos apoiadores e grupos de pressão contrários ao ex-presidente; b) a dinâmica relacionada ao deslocamento do custodiado desde a SR/PR até o município de São Bernardo do Campo, além do trajeto ao local do velório e sepultamento, e o seu regresso a Curitiba; c) em São Bernardo do Campo, a distância entre o ponto mais provável de pouso de helicóptero e o local dos atos fúnebres é de aproximadamente 2 km, percurso que teria que ser feito por meio terrestre, o que potencializa dos riscos já identificados e demanda um controle e interrupção de vias nas redondezas; d) a oportunidade para que o evento se transforme em um ato político, promovidos tanto por grupos favoráveis ou contrários, com a participação de um grande número de pessoas.
Assim, se faz necessário que o planejamento operacional da eventual escolta a ser feita pela Polícia Federal, considerando a dimensão e complexidade desse evento, deverá contar com o apoio dos órgãos de segurança locais (dos estados do Paraná e São Paulo), no sentido de mitigar todos os riscos identificados, visando especialmente à segurança e à integridade física do custodiado. É importante que Lula seja mantido a longa distância de aglomerações, já que esse fato pode desencadear crises imprevisíveis, assim como os fatos que ocorreram quando de sua prisão, em abril de 2018.'
Por fim, deve ser considerado o efetivo policial tanto da PF quanto da PC e do PM do Estado de São Paulo que teria de ser mobilizado para garantir a ordem pública e incolumidade de todos. Neste sentido, em consulta realizada ao Superintendente da PF em SP, que por sua vez já realizou a consulta ao Secretário de Segurança Pública daquele Estado, sobreveio a seguinte resposta:
'Relativamente à Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, informamos não haver efetivo disponível suficiente para realizar o traslado do Ex-Presidente Lula do Aeroporto de Congonhas à cidade de São Bernardo do Campo, com a segurança necessária, bem como para garantir a tranquilidade do Ex-Presidente, aos partícipes do evento e demais situações que eventualmente venham a ocorrer durante o velório, mormente se considerarmos as manifestações de apreço que serão envidadas ao enlutado;
Em face do alegado e na tentativa de atender, ainda que minimamente, à consulta formulada, consistente no oferecimento de aparato para subsidiar o evento, contatamos o Exmo. Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, General João Camilo Pires de Campos, consultando àquela Autoridade sobre a possibilidade de deslocamento de efetivos das polícias civil/militar do Estado de São Paulo para o palco dos eventos, sendo este enfático em responder que não haveria condições de se garantir a incolumidade do ExPresidente e a tranquilidade da cerimônia fúnebre, isto pelos fatos já alegados;
Assim, diante do cenário apresentado (e somente por isso), entendemos pouco recomendável a materialização do deslocamento do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tomando-se por base única e principalmente o resguardo da incolumidade física do custodiado e da ordem pública, embora estejamos, como sempre, disponíveis para o atendimento de eventual ordem emanada das esferas administrativa/judicial.'
Diante disso, considerando os levantamentos realizados para fins de subsidiar a presente decisão, em especial:
1. a indisponibilidade do transporte aéreo em tempo hábil para a chegada do ex-presidente Lula antes do final dos ritos post mortem de seu irmão;
2. caso fosse disponibilizado tanto aeronaves de asa fixa quanto as rotativas necessárias, "a distância entre o ponto mais provável de pouso de helicóptero e o local dos atos fúnebres é de aproximadamente 2 km, percurso que teria que ser feito por meio terrestre, o que potencializa dos riscos já identificados e demanda um controle e interrupção de vias nas redondezas" conforme apontado acima pelo levantamento da DIP;
3. a ausência de policiais disponíveis tanto da PF quanto da PC e PM/SP para garantir a ordem pública e a incolumidade tanto do Ex-Presidente quanto dos policiais e pessoas ao seu redor;
4. as perturbações à tranquilidade da cerimônia fúnebre que será causado por todo o aparato que seria necessário reunir para levar o ex-presidente até o local;
Concordo com a manifestação do Senhor DREX/SR/PF/PR (Despacho SEI 9722540) e INDEFIRO o pedido administrativo formulado pelo Advogado de Luiz Inácio Lula da Silva, que se encontra recolhido nesta Superintendência da PF em Curitiba/PR, não sendo possível ser autorizado ou viabilizado pela PF o comparecimento ao velório de seu irmão em São Bernardo do Campo/SP'.
Como se constata, há informações da autoridade policial quanto à falta de tempo hábil para o deslocamento do requerente ao local do sepultamento, no horário estabelecido, às 13:00 do dia de hoje, o que impossibilita o acolhimento do pedido.
Além disso, há informações da autoridade policial aportadas aos autos, em especial aquela emanada da Diretoria de Inteligência da PF sobre o risco quanto à segurança dos presentes e dos agentes públicos mobilizados, mormente se levado em conta as notícias veiculadas em redes sociais sobre a convocação de militantes para comparecerem a São Bernardo do Campo, o que corrobora as informações da inteligência policial.
Todavia, as eventuais intercorrências apontadas no relatório policial, a meu ver, não devem obstar o cumprimento de um direito assegurado àqueles que estão submetidos a regime de cumprimento de pena, ainda que de forma parcial, vale dizer, o direito de o requerente encontrar-se com familiares em local reservado e preestabelecido para prestar a devida solidariedade aos seus, mesmo após o sepultamento, já que não há objeção da lei.
Até porque, prestar a assistência ao preso é um dever indeclinável do Estado (art. 10, da Lei nº 7.210/84), sendo certo, ademais, que a República Brasileira tem como um de seus pilares fundamentais a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III), como já anunciado por esta Suprema Corte:
'(O) postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Art. 9º, n. 3)” (HC nº 142.177/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 19/9/17).
Por essas razões, concedo ordem de habeas corpus de ofício para, na forma da lei, assegurar, ao requerente Luiz Inácio Lula da Silva, o direito de se encontrar exclusivamente com os seus familiares, na data de hoje, em Unidade Militar na Região, inclusive com a possibilidade do corpo do de cujos ser levado à referida unidade militar, a critério da família.
Fica assegurada a presença de um advogado constituído e vedado o uso de celulares e outros meios de comunicação externo, bem como a presença de imprensa e a realização de declarações públicas.
Essas medidas visam garantir a segurança dos presentes, do requerente, e dos agentes públicos que o acompanharem. As autoridades competentes devem fornecer todos os meios necessários para viabilizar o cumprimento da decisão.
Comuniquem-se, com urgência, ao Juízo competente, ao Ministro de Estado da Justiça, ao Diretor-Geral da Polícia Federal e à Procuradoria-Geral da República.
Publique-se. Cumpra-se.
Brasília, 30 de janeiro de 2019.
Ministro Dias Toffoli
Presidente
(RISTF, art. 13, VIII)"