A posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República abre uma nova era no Brasil, marcada por uma guinada política, comportamental e diplomática à direita. Na cerimônia de ontem, acompanhada por uma multidão estimada em 115 mil pessoas que ocupou a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes, em Brasília, o presidente manteve o estilo e a retórica da campanha, enfatizando questões comportamentais, morais e ideológicas, afirmando que o povo está se “libertando do socialismo” e do “politicamente correto”.
Ao discursar no Congresso, onde foi empossado como o 38º presidente da República, enfatizou áreas mais técnicas, priorizando a segurança pública, o combate à corrupção, as reformas estruturantes e o desenvolvimento econômico. Falando sobre educação, disse que apoiará o ensino básico e que as escolas devem preparar crianças e jovens para o mercado de trabalho, e não formar “militantes”.
– Esse momento não tem preço. Isso só está sendo possível porque Deus preservou minha vida – discursou Bolsonaro, referindo-se ao atentado sofrido por ele na campanha, outro tema rememorado com frequência nas manifestações de ontem.
Pouco depois, já com a faixa presidencial no peito, diante da multidão que o saudava aos gritos de “mito”, Bolsonaro fez um discurso mais popular no parlatório do Palácio do Planalto. Durante oito minutos, atacou o socialismo, o politicamente correto, a ideologia de gênero, além de defender bandeiras da pauta conservadora que conquistou 57,7 milhões de eleitores no país:
– Essa é a nossa bandeira que jamais será vermelha. Só será vermelha se for com o nosso sangue, para a mantermos verde e amarela – disse, segurando uma flâmula nacional.
A mudança na rota em áreas como economia, diplomacia e educação foi ratificada já no início da fala, sem o tempero do equilíbrio utilizado por Bolsonaro nas últimas semanas. Ao prometer “restabelecer a ordem no país”, pontuou o caminho projetado para alcançar o objetivo, que passará pelo enfrentamento de ideologias de esquerda:
– É com humildade e honra que me dirijo a todos vocês como presidente do Brasil. E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto.
O presidente ainda se comprometeu em ampliar os investimentos em educação básica e infraestrutura, além de defender a meritocracia no mercado de trabalho e um governo que pavimente o caminho para o futuro, não criando “pedágios e barreiras”. Ao comentar a relação com a política e com o Congresso, voltou a frisar que não irá negociar apoio para a aprovação de medidas polêmicas.
Primeira-dama quebra tradição
O aguardado discurso de Bolsonaro demorou mais do que esperavam o público e as autoridades que acompanhavam a posse. Isso porque, quebrando a tradição, a primeira a se manifestar foi Michelle, sua mulher. Integrante do Ministério de Surdos e Mudos da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, ela se pronunciou na Língua Brasileira de Sinais (Libras), enquanto suas palavras eram lidas por uma assessora.
Assumindo a defesa de políticas para a comunidade surda, agradeceu as orações durante a recuperação de Bolsonaro, após a facada, e exaltou o resultado das urnas.
– As eleições deram voz a quem não era ouvido e a voz das urnas foi clara: o cidadão brasileiro quer segurança, paz e prosperidade. Um país em que sejamos todos respeitados – afirmou a primeira-dama.
Ao final da manifestação, provocada pelo público, deu dois beijos em Bolsonaro, ato que surpreendeu os presentes e foi saudado com palmas.
O dia da posse começou com chuva na capital federal, o que poderia frustrar o tradicional passeio em carro aberto do 38º presidente brasileiro. A chegada do sol levou Bolsonaro a contrariar o pedido da sua equipe de segurança, desfilando, emocionado, pela Esplanada dos Ministérios ao lado de Michelle. No banco de trás, o filho mais velho do presidente, Carlos Bolsonaro, acompanhou todos os deslocamentos no Rolls Royce presidencial. Ao ser questionado sobre o motivo da presença, o irmão Eduardo Bolsonaro brincou: “Ele é o pitbull da família”.
Apesar do forte esquema de segurança para acesso aos locais destinados ao público, à imprensa e às autoridades, Bolsonaro usou colete à prova de balas em todos os eventos que integraram a cerimônia em Brasília.
Militares voltam a ganhar destaque
Com a posse do militar da reserva, encerra-se definitivamente o ciclo iniciado em janeiro de 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Palácio do Planalto com um discurso calcado na igualdade social e no combate à fome. Dezesseis anos depois, a vitória de Bolsonaro é a cara de outro momento nacional: representa um basta à corrupção que ficou escancarada após a eclosão da operação Lava-Jato, em 2014, e o desejo de um Estado mais punitivo e agressivo no combate à criminalidade.
O governo Bolsonaro também demarca o novo ciclo das Forças Armadas no Brasil. Criticados após o fim da ditadura (1964-1985) e emparedados no governo Dilma Rousseff durante a Comissão da Verdade, que investigou a tortura e a morte de opositores do regime, os militares estão de volta ao poder novamente. Prestigiados junto à população, são presença maciça no primeiro escalão e terão relevante influência na gestão.
Desta vez, os militares chegaram ao poder pelo voto. Mudanças profundas estão por vir em distintas áreas, como na política externa, o que ficou ainda mais evidente com as presenças na posse dos líderes israelense Benjamin Netanyahu e do húngaro Viktor Orbán, dois nomes alinhados com a atual onda direitista e conservadora que corre o mundo. Está aberto um novo capítulo da história nacional.