Ao trocar o acanhado gabinete na Justiça Federal de Curitiba pela imponência do Palácio da Justiça, em Brasília, o juiz Sergio Moro põe fim a um ciclo da Lava-Jato e faz do combate à corrupção uma bandeira que pode guindá-lo a voos políticos mais ousados. A escolha do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) foi saudada por alguns nomes do Judiciário, onde Moro foi visto como o nome perfeito para liderar uma das áreas mais delicadas do governo e na qual a população deposita suas maiores esperanças. À boca pequena, corre a expectativa de que o juiz faça do cargo um trampolim para a disputa da Presidência em 2022.
— Ele está virando político, né? É um mundo diferente. Terá outras atribuições, vai ter de aprender a ceder. Se passar no teste, é o nome mais forte para a sucessão em 2022 — palpita um arguto observador do cotidiano dos palácios e tribunais brasilienses.
Moro sempre teve bom trânsito nas Cortes superiores e chegou a atuar durante um ano como juiz-auxiliar no STF em 2012. Na ocasião, ele ajudou a ministra Rosa Weber a produzir seus votos no julgamento do mensalão.
— Excelente nome. Imprimirá no Ministério da Justiça a sua marca indelével no combate à corrupção e na manutenção da higidez das nossas instituições democráticas. Foi a escolha que a sociedade brasileira faria, se consultada. É um juiz símbolo da probidade e da competência. Foi genuína meritocracia — derramou-se o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na manhã desta quinta-feira (1°), tão logo se espalhou a notícia que ele havia aceitado o convite para integrar o governo Bolsonaro, outros ministros manifestaram satisfação, como Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, responsáveis por inquéritos delicados da Lava-Jato contra o presidente Michel Temer.
— Fachin curtiu, acha que vai render uma boa parceria. Barroso também — comenta uma fonte com acesso aos gabinetes do Supremo.
Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp salienta a meteórica trajetória de Moro e sua qualificação na condução de processos criminais, sobretudo em casos de corrupção e lavagem de dinheiro. Para Dipp, a 13ª Vara Federal de Curitiba estava ficando pequena para o magistrado e a Lava-Jato, em vias de extinção.
— Moro é o juiz mais destacado do Brasil em todos os tempos, mas já não tinha muito mais o que fazer em Curitiba. Vários processos foram tirados de lá e outros estão em fase final —justifica.
Apesar de grande parte da elite da magistratura bater palmas à indicação, há resistências em alguns setores. Com a experiência de quem atuou como corregedor nacional de Justiça, Dipp critica a forma como Moro reagiu ao convite da equipe de Bolsonaro. Segundo declarou o vice-presidente eleito, Antônio Hamilton Mourão, o aceno ao juiz ocorreu antes do término da eleição. Para Dipp, ele não poderia permanecer à frente dos processos da Lava-Jato após ser sondado para o cargo, tampouco deveria aceitá-lo dizendo que pretende seguir combatendo a corrupção.
— Se ele pensa assim, então agora está indo para o lugar certo, porque juiz não combate a corrupção ou crime organizado. Isso é tarefa da Polícia Federal, do Ministério Público. Juiz julga, e de forma justa, isenta e técnica.
— Não é uma coisa normal. Ficou claro que ele aceitou por vaidade, autoproclamando-se um paladino — comenta outro integrante de tribunal superior.
O ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto, também mostrou desconfiança com a decisão.
— O Judiciário se define pelo desfrute de uma independência que não pode ser colocada em xeque. Os magistrados devem manter o máximo de distância dos outros dois poderes. Isso não parece rimar com o "espírito da coisa" de um membro do Judiciário pedir exoneração e já se transportar, com mala e bagagens, para um cargo do Poder Executivo. Esse tipo de mudança de camisa, tão rapidamente, projeta no inconsciente coletivo, no seio da coletividade, uma imagem pouco favorável dos membros do Poder Judiciário — afirmou, em entrevista ao jornal O Globo.