Durante duas horas e 38 minutos de uma tensa audiência na Justiça Federal de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou, nesta quarta-feira (14), ser dono do sítio em Atibaia onde esteve mais de uma centena de vezes após deixar a Presidência da República. Foi o primeiro depoimento de Lula para a juíza Gabriela Hardt, que substitui Sergio Moro no comando deste processo — Moro aceitou o convite para ser ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.
Classificando o processo como uma farsa, Lula repeliu as acusações de que teria facilitado contratos na Petrobras para as construtoras Odebrecht e OAS em troca de reformas no imóvel.
Lula admitiu usar o sítio para descansar após o fim do segundo mandato e disse ter pensado em comprá-lo em 2016 para agradar a ex-primeira-dama Marisa Letícia — "eu tinha dinheiro para comprar o sítio", enfatizou — mas desistiu porque o dono não quis vender e foi taxativo sobre a propriedade:
— O sítio não é meu.
Confrontado com uma minuta de contrato de compra e venda apreendida em sua casa com data de 2012 e na qual ele e Marisa aparecem como "adquirentes", Lula disse que o documento estava na residência porque "certamente tinha interesse de vender" e deveria ter sido entregue pelos donos do imóvel, Fernando Bittar e Jonas Suassuna.
— Qual o erro de ter sido encontrado na minha casa? — questionou Lula.
Em respostas por vezes ríspidas, o ex-presidente negou saber que as construtoras teriam gasto R$ 700 mil em obras no sítio e disse que só ficou sabendo da existência do local em janeiro de 2011, quando esteve em Atibaia pela primeira vez e as obras já haviam acabado. Questionado se tinha conhecimento de que a reforma teria sido encomendada por Marisa Letícia, demonstrou inconformidade com as citações a mulher no processo.
— Tenho muita dúvida se a dona Marisa pediu para fazer reforma. Agora ficou fácil citar o nome da dona Marisa porque ela morreu — afirmou.
O ex-presidente, porém, admitiu que alguns utensílios encontrados no local, como os pedalinhos com os nomes dos netos, foram adquiridos pela ex-primeira-dama.
— O pedalinho foi ela que comprou mesmo - consentiu.
Sobre a reforma da cozinha, que teria custado R$ 170 mil e custeada pela OAS, o petista disse que Marisa Letícia e Fernando Bittar haviam conversado a respeito, mas que não sabia quem conduziu a obra e disse não ter pago pelo serviço.
— O senhor não achou estranho ou não tentou buscar então a OAS para ressarcir esses valores? — indagou a juíza.
— Se foi feito, eu trabalho com a ideia de que alguém pagou. Ou a Marisa ou o Fernando Bittar pagaram — especulou Lula.
— O Fernando falou que entendeu que o senhor e a senhora Marisa iam pagar. O senhor pagou? — insistiu Gabriela.
— Eu não paguei, porque eu não conversei com eles sobre isso — afirmou o petista.
Logo no início do depoimento, houve a primeira altercação entre o petista e a juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro na 13ª Vara Federal. Indagado se conhecia a denúncia, disse imaginar que a acusação era de ser dono do imóvel. Dizendo-se disposto a responder "toda e qualquer pergunta", Lula questionou a juíza:
— Eu sou dono do sítio ou não?
— Isso é o senhor que tem de responder, doutor. E eu não estou sendo interrogada neste momento.
— Quem tem que responder é quem me acusou — reagiu Lula.
— Senhor ex-presidente, este é um interrogatório e se o senhor começar nesse tom comigo a gente vai ter problema. Vamos começar de novo. Eu sou a juíza do caso — pontuou Gabriela.
Na sequência, uma discussão entre a defesa, os procuradores e a magistrada quase interrompeu o depoimento. Gabriela perguntou se Lula queria se reunir a sós com os advogados antes de retomar a sessão e esclareceu que ele poderia ficar em silêncio.
— Eu não imaginei que fosse assim, doutora — disse Lula.
— Eu também não imaginava. Já fiz um resumo da acusação e vou começar com as perguntas. O senhor fica em silêncio ou o senhor responde — afirmou a juíza.