A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirma que novas provas adicionadas ao processo de investigação de Aécio Neves pouco antes da decisão de Gilmar Mendes de arquivar a ação apontam "indícios de materialidade e de autoria delitivas". O pedido da Procuradoria-geral da República (PGR) é de que o caso seja encaminhado para análise na Justiça Federal do Rio de Janeiro.
O Advogado Alberto Zacharias Toron, que defende Aécio Neves, afirma que a procuradora não traz nenhuma "informação nova" envolvendo o senador ao recorrer da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que arquivou o inquérito em que se apurava envolvimento de Aécio em suposto esquema de corrupção e lavagem de dinheiro relacionado a Furnas, estatal do setor energético.
"A Polícia Federal, após realizar inúmeras diligências, relatou o inquérito policial, concluindo ser o caso de arquivamento, diante da completa ausência de provas contra o senador. A decisão do STF seguiu esse mesmo entendimento", diz o advogado em nota. Ele lembra que o "próprio MPF" reconheceu "inexistir irregularidade" na constituição de uma fundação no Exterior pela mãe do senador, já que foi devidamente declarada no imposto de renda e nunca houve remessa de recursos ao Exterior. "Os documentos anexados pela PGR são rigorosamente os mesmos constantes no inquérito arquivado há vários anos, já sendo portanto, há muito, de conhecimento das autoridades".
Gilmar arquivou a investigação no fim de junho afirmando que a duração era demasiadamente longa e que não se podem prorrogar inquéritos "por prazo irrazoável, sem amparo em suspeita contundente" e que isso representaria ofensa à dignidade do investigado. Dodge rebateu esses pontos no recurso apresentado nessa sexta-feira (3) afirmando que o prazo de dois anos e três meses é compatível com a complexidade e porte do caso e que está dentro da média de duração de inquéritos.
A procuradora sustenta que ainda não tinha tido tempo de apresentar ao relator as considerações sobre as novas provas que apontam suspeitas de evasão de divisas de valores que teriam sido recebidos pelo senador no esquema de propinas instalado na Diretoria de Engenharia de Furnas - informações obtidas com a cooperação firmada com Liechtenstein em agosto de 2017.
Outro argumento elencado é que, como os fatos suspeitos se referem a período anterior ao exercício do mandato de senador de Aécio e sem relação com a atividade parlamentar, segundo a nova regra que restringiu a aplicação do foro privilegiado, o caso só pode ser analisado na primeira instância.
"Irresponsabilidade"
Raquel Dodge afirmou que seria irresponsável arquivar o inquérito antes de analisar o material obtido com base na cooperação com Liechtenstein, baseado na apreensão de informações na Operação Norbert, no Rio de Janeiro.
— Não há como arquivar a apuração sem analisar antes o material recebido do Exterior. Seria uma irresponsabilidade —, adverte Raquel Dodge.
Documentos encontrados na casa de dois doleiros revelaram que várias pessoas usaram mecanismos chamados de interposição de personalidade jurídica para manter e ocultar valores no Exterior, inclusive na Suíça e no Principado de Liechtenstein, na Europa. Entre esses nomes estava o da mãe do senador, Inês Maria Neves, relacionado à titularidade da "Bogart and Taylor Foundation".
Sobre esses documentos, a Procuradoria destacou que há informações bancárias sobre o senador e outros investigados como Dimas Toledo, ex-diretor de Engenharia da Dersa, Andrea Neves, irmã de Aécio, e Inês Neves, e às pessoas jurídicas Boca da Serra e Bogart & Taylor Foundation. A PGR afirmou também que depoimentos de delatores explicam como o esquema funcionava. O doleiro Alberto Youssef disse que, durante o governo do PSDB, de 1994 a 2001, tanto o PP quanto o PSDB eram responsáveis, cada um, por uma diretoria de Furnas.
As delações do senador cassado Delcídio do Amaral e do lobista Fernando Hourneaux de Moura também trazem informações importantes, segundo a procuradora. Delcídio, por exemplo, citou a existência de uma fundação sediada em um paraíso fiscal da qual seria beneficiário Aécio Neves.
A avaliação de Raquel Dodge é que, no curso da investigação, foi possível estabelecer conexões entre o relato dos colaboradores e outras apurações sobre o pagamento de vantagem indevida decorrente de contratos de Furnas. Ela lembra que Dimas Toledo foi denunciado em 2012 sob acusação de participar de um esquema de arrecadação de vantagens indevidas em Furnas, que funcionava de forma muito semelhante ao relatado pelos colaboradores Alberto Youssef e Delcídio do Amaral.