Após sacar por 15 anos recursos que não lhe pertencem da conta dos depósitos judiciais para fazer frente a compromissos financeiros cotidianos, o Palácio Piratini aproveitou decisão judicial recente do Supremo Tribunal Federal (STF) e busca, agora, regulamentar o assunto, propondo a devolução do dinheiro e a redução da taxa de juro relativa às retiradas.
Se o projeto de lei for aprovado na Assembleia Legislativa, o governo assumirá o compromisso de devolver cerca de R$ 70 milhões por ano – de R$ 10,7 bilhões que foram pegos emprestados. Nesse cenário, que leva em conta longo período com déficit nas contas estaduais, a devolução levaria cerca de 150 anos para ser feita.
A conta dos depósitos judiciais, vinculada ao caixa único, é alimentada por dinheiro de pessoas físicas e jurídicas. Os depósitos decorrem de ordens judiciais e têm como objetivo garantir um eventual pagamento que está em litígio. Por lei, o Piratini foi autorizado a pegar “emprestado” parte desses valores.
A recomposição do fundo, conforme o projeto, se acelera caso o Estado registre superávit. Nos anos em que as contas fecharem no azul, além dos R$ 70 milhões, mais 3% do saldo positivo deverão ser repassados. Atualmente, não há previsão de devolução dos recursos – que foram utilizados, em maior ou menor grau, pelos últimos quatro governos para sanar a falta de dinheiro em caixa.
– Se dividir o valor (do empréstimo pela devolução mensal), vai levar um monte de tempo. Mas o importante é que deixamos de utilizar esses recursos e estancamos a sangria. Além de reduzir o problema, o Estado ainda vai, devagarzinho, recompondo (o fundo). Esses recursos, a rigor, não pertencem ao governo do Estado – diz o secretário da Fazenda, Luiz Antônio Bins.
O projeto também altera o juro que o Estado paga mensalmente pelos saques dos depósitos. Até o início deste ano, o Piratini devolvia o dinheiro com base na taxa Selic. Pela proposta, o governo passaria a desembolsar pela variação da caderneta de poupança – o que representa juro mais baixo e com menos flutuações. Essa mudança, projeta o governo, geraria economia de cerca de R$ 150 milhões ao ano.
Essa adequação formaliza o fim do chamado spread bancário envolvendo os depósitos, ou seja, do “lucro” que o Judiciário colhia diante da diferença de juro que recebia do Executivo (mais alto) e dos que repassa às partes envolvidas nos processos (mais baixo).
Essa rentabilidade foi proibida pelo STF. O rendimento era destinado ao reaparelhamento do Judiciário e utilizado, por exemplo, na construção de foros. Como o Judiciário já contava com esses recursos pelos próximos anos, a proposta do governo garante o repasse de R$ 150 milhões em 2018 e outros R$ 150 milhões no ano que vem.
O projeto também solucionaria uma diferença de R$ 720 milhões entre Executivo e Judiciário. São valores que a Justiça obteve por meio do spread e reinvestiu no caixa único. Porém, esse recursos também foram usados pelo Piratini, que não teria como devolver no curto prazo. Pela proposta, esse valor é zerado. Em troca, o governo se compromete a devolver R$ 310 milhões, entre 2019 e 2021.
– Conversamos (com representantes do TJ), até para não se criar problemas. Acreditamos que isso possa tramitar sem óbices do Judiciário – afirmou Bins.
O Tribunal de Justiça não se manifesta sobre o assunto. Nos bastidores, há o entendimento de que a medida seria aceita. O projeto, que tramita em regime de urgência, começa a trancar a pauta de votações a partir de 1º de setembro.
Entenda o caso
-A atual gestão, de José Ivo Sartori, sacou, de 2015 até janeiro de 2018, R$ 3 bilhões dos depósitos judiciais.
-Desde o início deste ano, o governo interrompeu o uso desses recursos – já prevendo a decisão que foi tomada em março, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), proibindo novos saques dessa natureza.
-No governo de Tarso Genro, de 2011 a 2014, o Estado atingiu o ápice desse tipo de saque, ao utilizar R$ 5,6 bilhões dos depósitos.
-Na gestão de Yeda Crusius, de 2007 a 2010, os saques somaram R$ 615 milhões, enquanto que, no governo de Germano Rigotto, o montante foi de R$ 1,4 bilhão.