Prestes a julgar a apelação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) puniram os réus da Lava-Jato com quase um milênio de cadeia. Na soma das penas estipuladas nos 23 processos que tramitaram no tribunal — e abarcam 102 vereditos da 1ª instância —, o tempo de prisão estabelecido aos condenados é de 988 anos, 11 meses e 23 dias.
O rigor dos integrantes da 8ª Turma, responsável pelos julgamentos da Lava-Jato na Corte, é superior ao do juiz Sergio Moro, titular das ações penais no grau inicial de jurisdição. Nas sentenças que proferiu, Moro acumulou penas com total de 841 anos, três meses e dois dias. O TRF4, portanto, puniu os réus com 147 anos, oito meses e 21 dias a mais do que o temido juiz paranaense.
GaúchaZH questionou três juristas sobre os motivos e consequências da elevação de penas dos condenados da Lava-Jato nas decisões de segunda instância:
André Luís Callegari
advogado criminalista
"Não me parece que questões técnicas possam levar a erros que justifiquem esse aumento de penas."
Por que as sentenças do Tribunal Regional Federal (TRF4) foram mais rigorosas?
As turmas são formadas por três desembargadores. Pelas suas composições, pendem para um lado mais rigoroso ou garantista. De fato, a 8ª Turma tem posição mais rigorosa. Mas isso acontece em todos os tribunais, não somente no TRF4. No Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, a 1ª Turma é mais dura, enquanto a 2ª, mais liberal. Talvez, por uma questão de princípios ou técnicas de interpretação.
Qual a consequência desse maior rigor?
Uma tendência de recrudescimento na interpretação do Direito Penal e na aplicação das penas. O TRF4 é um tribunal de revisão, que corrige de forma colegiada supostos equívocos ou abusos de um juiz singular. Porém, no momento em que se torna um revisor na aplicação de penas mais duras, algo parece errado. O juiz está mais próximo ao fato para interpretá-lo, relacionando-se com provas e ouvindo testemunhas e réus, enquanto um tribunal está afastado, focado em questões técnicas. Não me parece que questões técnicas possam levar a erros que justifiquem esse aumento de penas.
Essas sentenças têm chances de serem revistas em instância superior?
Acredito que sim. O STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), até por um princípio de proporcionalidade e adequação ao fato praticado, acabarão corrigindo os excessos na aplicação das penas.
Rafael Canterji
professor de Direito Penal da PUCRS
"O cálculo de pena exige fundamentação. Por isso, são decisões técnicas."
Por que as sentenças do Tribunal Regional Federal (TRF4) foram mais rigorosas?
É uma visão externada pelos desembargadores, divergindo do juiz de primeiro grau, mas não se trata de uma avaliação abstrata ou ideológica. O cálculo de pena exige fundamentação. Por isso, são decisões técnicas.
Qual a consequência desse maior rigor?
Os processos da Lava-Jato no TRF4 representam um universo muito limitado de sentenças. Pouco mais de 20 apelações foram julgadas, enquanto, em uma única sessão, dezenas são analisadas. É um percentual baixo, mesmo que esses processos ganhem grande visibilidade. Cada um tem a sua fundamentação, o que depende do caso concreto.
Essas sentenças têm chances de serem revistas em instância superior?
Sim. Sempre que ocorrer violação à lei federal, a parte que entender que houve prejuízo recorre por meio de recurso especial julgado pelo STJ. Já se entender que houve violação à Constituição, pode se interpor recurso extraordinário no STF.
Gisele Cittadino
professora de Teoria da Justiça na PUC-Rio
"Essas penas exageradas — e estamos falando em 30, 40 anos de prisão — não fazem sentido."
Por que as sentenças do Tribunal Regional Federal (TRF4) foram mais rigorosas?
Não se trata propriamente do TRF4. Vivemos no país uma fase de punitivismo exagerado, o que afeta o TRF4 e outros tribunais. Há uma intenção do Judiciário em usar a Lava-Jato como uma espécie de exemplo aos corruptos. Enquanto isso, sabemos pelas experiências que a solução está longe de ser o encarceramento.
Qual a consequência desse maior rigor?
Uma cultura de ódio e vingança, que está relacionada a esse momento de forte conflagração na sociedade brasileira. No Direito Penal, a violência se traduz nesse compromisso com o punitivismo. O TRF4 não está sozinho em uma bolha, nem o Judiciário. Estão inseridos em uma sociedade marcada pela cisão e pela violência.
Essas sentenças têm chances de serem revistas em instância superior?
Sem dúvida. Essas penas exageradas — e estamos falando em 30, 40 anos de prisão — não fazem sentido. Nos casos de corrupção comprovada, é muito mais importante e eficaz reaver o dinheiro roubado do que deixar a pessoa apodrecer na prisão. Isso é medieval. Espero que ocorram revisões, mas também vejo o STF incluído nessa onda punitivista. O Supremo não foge à regra que marca todo o Judiciário brasileiro. Ninguém está de fora.