A proximidade do julgamento da apelação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) acirra os ânimos entre apoiadores e críticos do petista. As pressões de ambos os lados têm endereço: os gabinetes dos três desembargadores que avaliam a sentença do juiz Sergio Moro. Para Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entre 1998 e 2014, qualquer tentativa de intimidação à Justiça é “inócua”.
Dipp, 73 anos, elogia a rapidez do julgamento – 196 dias após a decisão em 1ª instância –, afirmando que resoluções ágeis são “sonho de consumo” do Judiciário. Ele pontua que a condenação imposta por Moro abre espaço para diversas interpretações e, por isso, vê possibilidades para “apelação com fundamentos benfeitos, tentar descaracterizar a sentença, ou partes da sentença”.
O ministro aposentado considera elevado o número de delações premiadas fechadas na Operação Lava-Jato e critica o excesso de benefícios oferecidos a réus nos acordos. Confira os principais trechos da entrevista.
O senhor vê alguma irregularidade no tempo entre a sentença do juiz Sergio Moro e o julgamento da apelação no TRF4?
O sonho de consumo de todo o Judiciário é ter decisões rápidas. O atraso e a demora são assuntos combatidos há muito tempo, em especial pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). É um ideal a decisão que não seja fora de época, extemporânea. O tribunal está agindo corretamente e sabe da importância do julgamento do Lula. O tribunal não quer carregar sobre seus ombros uma demora que possa causar transtornos. É um processo que merece preferência. Não preferência para condenação e, sim, pela importância do tema, pelo momento em que vivemos, com as eleições próximas e de quem se trata, que é nada mais que o ex-presidente.
Caso a sentença seja confirmada, o senhor acredita na prisão imediata do ex-presidente, além da eventual inelegibilidade?
Quando se esgotarem todos os recursos perante o tribunal, pela Lei da Ficha Limpa, Lula poderá se tornar inelegível. Aliás, até se discute se é preciso que se esgotem todos os recursos no TRF ou apenas a decisão na apelação. Não acredito, em nenhuma hipótese, em prisão do presidente. Até porque o que o Supremo diz é que o tribunal que julgar em 2º grau não é obrigado a determinar uma prisão. É uma opinião minha. Claro que ainda cabem embargos de declaração e embargos de divergência, se houver voto contrário (placar de dois a um pela condenação). Acho, inclusive, que cabem embargos de divergência, mesmo que a divergência não seja total, como sobre a dosimetria da pena, até em uma decisão de três a zero pela punição.
O senhor concorda com a tese da defesa de que a condenação ocorreu sem provas?
Não conheço todas as provas, depoimentos, motivos que levaram o juiz a essa fundamentação. Então, me parece precipitado falar sobre isso. Agora, a condenação não é por mala com R$ 51 milhões. Parece-me que aí houve uma série de provas indiretas ou intuições. Não é uma sentença fácil de proferir, seja para absolver ou para condenar. O Direito Penal é muito rigoroso. Para que se enquadre em determinados tipos penais é preciso que o fato corresponda exatamente à descrição do tipo e com as provas pertinentes. Aqui, são evidências. (O triplex) Não estava no nome (de Lula), estava no de terceiros. Tudo isso pode até não ser compatível em um caráter de ética. Agora, no caráter penal, tem de se examinar com muito cuidado. Acho que Moro examinou com o cuidado devido porque o conheço. Agora, que há possibilidades de uma apelação com fundamentos benfeitos tentar descaracterizar a sentença, ou partes da sentença, é possível e é viável.
Como avalia os acordos de delação premiada dentro da Operação Lava-Jato?
A palavra do delator, em tese, não serve para uma sentença ou condenação. Nem sequer serviria, por si só, para o oferecimento de uma denúncia, que é um pedido de abertura de ação penal após o inquérito. Então, a delação precisa vir corroborada com vários meios de prova, que podem ser documentais, gravações ambientais, telefônicas, corroboração indireta por outros delatores. A delação premiada não pode ser sempre usada como primeiro meio de obtenção de prova, assim como ocorreu há anos com a interceptação telefônica. Ela tem servido nos casos da Lava-Jato e outros, talvez de modo excessivo, para a abertura das ações penais.
Por que excessivo?
Em alguns crimes de colarinho branco, a abertura de inquérito ou denúncia é feita por mera delação premiada, sem que se obtenha, muitas vezes, outros tipos de corroboração dessa delação. O juiz poderá, a pedido das partes, conceder o perdão judicial, diminuir a pena ou transformar a pena em penas alternativas à prisão. É só isso que a lei prevê. A eficácia da delação vai ser verificada lá na sentença.
Há casos em que a população fica frustrada devido a penas baixas para réus que fecham acordos de delação.
Frustra a população porque acho excessivo o que o Ministério Público oferece em troca da delação. O MP não tem esse poder de estipular as penas previamente, de diminuir em tanto, de reformular, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) dizer que é possível, de repor valores possivelmente desviados, etc. A polícia, quando fez algumas poucas delações, apenas sugeriu ao juiz que tivesse o perdão judicial, a mitigação da pena ou a transformação em penas alternativas. O MP, com o beneplácito do STF, tem feito negociações que me parecem fora de compasso. Por isso, a sociedade, que tem também um sentimento de punitivismo, exatamente porque nunca viu ninguém de colarinho branco ser condenado, pode se sentir frustrada. Vê que o sujeito cumpre uma pena de três meses, faz delação, fica com tornozeleira, enfim, recebe série de vantagens. Para mim, isso a lei não prevê.
Movimentos sociais prometem série de atividades pró-Lula, e o prefeito da Capital, Nelson Marchezan, chegou a pedir à União a presença do Exército. O ambiente de pressão pode influenciar a decisão da Corte?
O Judiciário não vai se deixar pressionar. Agora, em se tratando de um réu que é um possível candidato à Presidência da República e que teve um passado como o Lula, não se pode deixar de observar, dentro do estrito limite legal, que haja manifestações. A favor ou contra. Agora, o que o prefeito fez foi esdrúxulo. É aos Estados a quem cabe garantir a segurança pública pela Constituição.
Tem muita gente se aproveitando do momento não só para acirrar os ânimos, mas para tirar algum lucro político de tudo isso. Nenhuma manifestação, no princípio democrático, pode ser proibida. Tudo dentro da ordem, da legalidade e do direito. Dentro dos termos da Constituição. Mas, se não for assim, podem ser coibidas, evidentemente.