Ao solicitar ao governo federal emprego de tropas do Exército e da Força Nacional de Segurança durante o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro, o prefeito Nelson Marchezan (PSDB) abriu mal-estar com o governo do Estado e rompeu o sigilo estabelecido entre as forças que organizam o planejamento da operação.
Marchezan enviou ofício à Presidência da República na tarde de quarta-feira (3), mesmo dia em que ocorreu a primeira reunião do Gabinete de Gestão Integrada (GGI), colegiado dos órgãos de segurança municipal, estadual e federal. Ao final do encontro, realizado no final da tarde na sede da Secretaria da Segurança, foi firmado consenso de que ninguém agiria sozinho, tampouco divulgaria informações prévias sobre os preparativos para o dia 24.
O segredo durou menos de 12 horas. Às 8h02min desta quinta-feira (4), Marchezan publicou em sua conta no Twitter cópia do documento remetido ao presidente Michel Temer. Em cinco parágrafos, o prefeito justifica a decisão citando a ameaça de ocupação de espaços públicos e "a menção à desobediência civil e luta propugnadas nas redes sociais por alguns políticos, inclusive senadores".
A repercussão foi imediata. Integrantes do GGI reclamaram da atitude de Marchezan, classificada como "factoide", sobretudo porque havia representantes da prefeitura na reunião. O próprio secretário municipal da Segurança, Kleber Senisse, disse pela manhã que não viu necessidade de uso do Exército.
— Marchezan atropelou todos e nos causou constrangimento. Até porque um prefeito nem tem competência para pedir convocação de tropas federais — reclamou um graduado servidor da Secretaria Estadual da Segurança.
No final da manhã, Marchezan telefonou para o titular da pasta, Cezar Schirmer, para tentar desfazer o incômodo. Em cerca de 15 minutos de conversa, o prefeito disse que estava preocupado em preservar a cidade e proteger o patrimônio público. Citou ainda temor com as condições da região no entorno do Tribunal Regional Federal da 4º Região, local do julgamento, principalmente as obras na orla do Guaíba.
— O prefeito teve seus motivos. Talvez o instrumento não tenha sido o mais adequado. Foi um ponto fora da curva, mas está tudo esclarecido — amenizou Schirmer.
Sugestões ignoradas
Na prefeitura, o gesto de Marchezan também causou estranheza. Assessores creditam a medida ao isolamento do tucano, que costuma tomar decisões sozinho, ignorando sugestões dos auxiliares. Há quem diga que o constrangimento poderia ser evitado se houvesse um secretário de Comunicação — pasta vaga desde setembro, após o pedido de demissão de Tânia Moreira. Em entrevista à Rádio Gaúcha, o prefeito minimizou o episódio.
— O que houve foi uma manifestação legitimando qualquer ação do governador, do secretário Schirmer — afirmou.
Em sua conta no Twitter, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), reagiu dizendo que o gesto de Marchezan demonstra "medo do povo". Tão logo o ofício do prefeito chegou ao gabinete de Temer em Brasília, foi remetido aos ministérios da Defesa e da Justiça. O titular da Defesa, Raul Jungmann, a quem estão subordinadas as Forças Armadas, disse que o documento será devolvido à prefeitura.
— É ilegal. Está errado. Só o presidente da República, a pedido do governador, pode nos acionar. E se chegar aqui, devolveremos.