Em meio à crise financeira do Estado, o pagamento de precatórios quase dobrou no Rio Grande do Sul este ano, passando de R$ 353,4 milhões para R$ 664,5 milhões na comparação com 2016. Apesar disso, o estoque da dívida pouco variou. Em valores nominais, subiu de R$ 11,7 bilhões no ano passado para R$ 11,9 bilhões em 2017, segundo o Tribunal de Justiça do Estado (TJ). Descontada a inflação do período, o saldo praticamente se manteve o mesmo. Além disso, há mais R$ 930 milhões aguardando quitação nas justiças Federal e do Trabalho.
O salto nos valores pagos se deve a quatro fatores: o crescimento da arrecadação, o sequestro judicial de recursos do Tesouro, os acordos de conciliação com credores e a agilidade da Central de Pagamento de Precatórios do TJ, responsável pelo trabalho.
– Fizemos um esforço muito grande para chegar a esse resultado – diz a juíza convocada Kétlin Carla Pasa Casagrande, à frente do órgão.
Desde 2010, o governo é obrigado a destinar pelo menos 1,5% da receita corrente líquida (RCL) para saldar o que deve, exigência que vem sendo cumprida. Ao longo de 2017, a arrecadação do Estado melhorou, e o valor correspondente ao percentual mínimo passou de R$ 30 milhões, em média, para R$ 40 milhões.
Mesmo assim, o depósito é insuficiente para zerar a fila até 2020, conforme prevê a emenda constitucional nº 94, de 2016. Ainda que o prazo seja postergado para 2024, como sugere uma proposta em discussão no Congresso, o objetivo dificilmente será alcançado.
Para pressionar o Piratini a ampliar os aportes, o presidente do TJ, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, adotou uma medida drástica em junho: exigiu a apresentação de um plano de pagamento e, pela primeira vez, ordenou o sequestro de R$ 80 milhões das contas do Estado. A iniciativa se refletiu nos números do ano.
Outra explicação para o salto tem relação com a Câmara de Conciliação. Aos poucos,os acordos com deságio de 40% começam a dar resultado.
– O problema é que tudo isso ainda é pouco. O governo deveria estar depositando 5,5% da receita, e o Judiciário deveria pressionar mais – afirma o vice-presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ricardo Bertelli.
Secretário-adjunto da Fazenda, Luiz Antônio Bins argumenta que não há verbas sobrando e lembra que o Estado vem atrasando os salários do Executivo desde 2015:
– Se pudéssemos, certamente ampliaríamos os repasses, mas para isso teríamos de tirar de outro lugar. Como não podemos cortar verbas para saúde e educação, estamos trabalhando em alternativas.
Uma das apostas do Palácio Piratini para enfrentar o problema é a compensação de débitos de empresas devedoras de tributos por precatórios, o que deve começar no primeiro trimestre de 2018. A troca de um passivo por outro foi aprovada em outubro na Assembleia.
Na prática, pendências inscritas na dívida ativa do Estado – aquela que o governo tem a receber – poderão ser compensadas em até 85% de seu valor. Os outros 15% terão de ser honrados em dinheiro, dos quais 3% serão revertidos para beneficiar precatoristas.
– A lei da compensação vai ajudar de duas formas: primeiro, reduzindo a fila de espera e, em segundo lugar, incrementando o valor mensal depositado pelo governo – diz o deputado estadual Frederico Antunes (PP), coordenador da Frente Parlamentar de Precatórios e RPVs.
No plano de recuperação fiscal entregue à União, o Piratini prevê abater o estoque da dívida em R$ 2,4 bilhões até 2020 usando essa estratégia. A redução, na avaliação da coordenadora da Procuradoria de RPVs e Precatórios, Alessandra Ruoso, pode ser maior.
– Esse encontro de contas vai impactar muito e abrir espaço para pagarmos mais gente. O Estado do Rio de Janeiro fez isso em 2010 e 2011 e conseguiu abater 80% do seu passivo – ressalta a integrante da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Ainda que concorde com a medida, Bertelli alerta para o fato de que há empresas tentando comprar precatórios no mercado paralelo por 20% do valor, de olho na compensação. Ele teme que o assédio possa causar prejuízos.
Bins discorda. Para o secretário-adjunto, a maior procura pelos papéis tende a aumentar o poder de barganha dos potenciais vendedores. Dependendo do percentual de desconto negociado, Bins sustenta que a venda pode valer a pena – e não há impedimento legal a isso.
A orientação da PGE, nesses casos, é para que os precatoristas não tomem decisões sem antes consultar seus advogados. O ideal é saber exatamente qual é a situação do crédito, já que, muitas vezes, o documento pode estar prestes a ser quitado.
O prazo
Com base na emenda constitucional nº 94 de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a dívida seja paga por Estados e municípios até 2020, mas isso deve mudar.
Foi aprovada em primeiro turno, na última quarta-feira, na Câmara dos Deputados, a proposta de emenda constitucional (PEC) nº 212 de 2016, que estica o prazo até 2024.
Por essa PEC, também fica permitido o uso de até 30% dos depósitos judiciais em que Estados e municípios não são parte. O texto prevê que precatórios e requisições de pequeno valor emitidos até o fim de 2009 não sacados possam ser usados para pagar a dívida.
O texto ainda precisa passar por uma votação em segundo turno na Câmara e, sendo aprovado, voltar ao Senado.
Como funciona o pagamento
Por ordem cronológica
A quitação é feita pela ordem de apresentação do título, isto é, do mais antigo ao mais novo. Os credores idosos, com doenças graves ou com deficiência podem pedir o pagamento de parcela preferencial. A parcela se relaciona a precatórios de natureza alimentar (casos envolvendo pensões e salários, por exemplo).
Por meio de conciliação
O pagamento se dá via acordo, com redução de 40% no valor atualizado dos títulos, deduzidos os descontos legais. Isso começou em 2015, com a Câmara de Conciliação de Precatórios. Os titulares são chamados na ordem cronológica para negociar com a PGE. Podem aceitar ou permanecer na fila, à espera do valor integral.
Os acordos
Até agora, a Câmara de Conciliação fez quatro convocações para negociar acertos, com precatórios do TJ-RS e do Tribunal Regional do Trabalho. Confira os dados da PGE:
1ª rodada – Novembro de 2015
Convocação a 77 precatórios (de 1987 a 1999)
Resultado: 29 acordos firmados, sendo pagos R$ 29,31 milhões (com 40% de deságio)
2ª rodada – Junho de 2016
Convocação a 190 precatórios (de 1987 a 1999)
Resultado: 51 acordos firmados, sendo pagos R$ 6,45 milhões (com 40% de deságio)
3ª rodada – Outubro de 2016
Convocação a 1.051 precatórios (de 1987 a 2001)
Resultado: até agora, 600 acordos firmados, com pagamento de R$ 59,66 milhões (com 40% de deságio). O trabalho continua.
4ª rodada – Agosto de 2017
Convocação a 1.489 precatórios (de 1987 a 2001)
Resultado: houve 1.227 manifestações de interesse, envolvendo 486 precatórios, com 15 acordos fechados até agora e pagamentos de R$ 430,67 mil. As negociações seguem.