A ex-presidente Dilma Rousseff afirmou ao juiz federal Sergio Moro que havia uma preocupação em salvar as empresas alvo da Operação Lava-Jato. Segundo a petista, os executivos deveriam ser punidos, mas as "instituições são produtos sociais, elas não podem ser punidas". Dilma falou durante cerca de meia hora, por meio de videoconferência, de Belo Horizonte, nesta sexta-feira (27).
Dilma é testemunha de defesa do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, Aldemir Bendine, que responde a processo por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e embaraço às investigações da Operação Lava-Jato. Ele está preso desde julho, em Curitiba, acusado de exigir R$ 17 milhões em propinas da Odebrecht para defender interesses da empresa.
Além de Bendine, são réus na ação Marcelo Odebrecht e Fernando Reis, os operadores Antônio Carlos Vieira Silva Júnior e André Gustavo Vieira da Silva e o doleiro Álvaro Novis. Moro, o procurador da República que estava na audiência e o assistente de acusação não fizeram perguntas a Dilma, ficando os questionamentos restritos a advogados de dois dos réus.
As maiores empreiteiras do país são acusadas na Lava-Jato de formar cartel bilionário na Petrobras entre 2004 e 2014. Os executivos dessas companhias foram presos em fases distintas da operação, a Juízo Final, deflagrada em novembro de 2014, e a Erga Omnes, de julho de 2015.
Para escapar da prisão, os principais dirigentes das construtoras firmaram acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. E as empresas adotaram a leniência como caminho para se livrar de punições que poderiam alijá-las de vez do mercado.
Isso dava, criava para o governo um grande problema. Por quê? Porque essas empresas estavam comprometendo seus empregos e seus financiamentos.
Dilma Rousseff
sobre dificuldade financeira de empresas investigadas na Lava-Jato
A defesa de Bendine questionou Dilma sobre a atuação de seu ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Segundo a acusação da força-tarefa da Lava-Jato, em anotações destinadas a Mercadante, o empreiteiro Marcelo Odebrecht relatou sobre o "risco de as empreiteiras investigadas terem de reconhecer a prática de ilícitos para realização de acordos de leniência", fez considerações "a respeito de bloqueio cautelar efetivado pela Petrobras contra as empresas do grupo" e também tratou de possível restrição de crédito do BNDES às empresas investigadas.
Dilma disse acreditar "que as pessoas tendem a fazer avaliações se colocando no centro do mundo".
— Tinha uma questão que era muito grave. Uma delas era que as empresas que estavam sofrendo investigação da Lava-Jato, elas necessariamente estavam tendo problemas na área de retomar seus financiamentos internos e externos. Isso dava, criava para o governo um grande problema. Por quê? Porque essas empresas estavam comprometendo seus empregos e seus financiamentos — declarou a ex-presidente.
Achávamos, e eu particularmente continuo achando, que nós temos que punir malfeitos. Punir executivos ou funcionários que pratiquem malfeitos. Agora, as instituições são produtos sociais, elas não podem ser punidas.
Segundo Dilma, "a discussão sobre a leniência era uma discussão presente para o governo":
— Nós discutimos leniência, não apenas através da CGU, da AGU, da Casa Civil. Discutimos leniência no TCU com o Ministério Público também. Achávamos, e eu particularmente continuo achando, que nós temos que punir malfeitos. Punir executivos ou funcionários que pratiquem malfeitos. Punir quem quer que pratique malfeitos. Agora, as instituições são produtos sociais, elas não podem ser punidas, então, é uma forma como se pratica internacionalmente.
A petista também falou sobre os acordos de leniência:
— Nós tínhamos de fato uma preocupação pública em relação a construir as condições de leniência para que o processo tivesse punição dos responsáveis, mas que se salvassem as empresas de engenharia desse país.
E complementou:
— Essas empresas, elas tinham de ser preservadas, não através de seus processos de corrupção, mas através daquilo que é produto, do que uma empresa é produto. A empresa é um constructo social, ela não é pura e simplesmente a iniciativa de uma pessoa, são de vários, de um grupo de pessoas. Portanto, elas têm também um know-how, um conhecimento que é importante para o país. Por isso, sinto que a avaliação desse episódio pelo doutor Marcelo Odebrecht, isso é verdade, reduza a questão da leniência em si mesmo. É uma forma de interpretar o mundo, eu não concordo — afirmou Dilma.
Indicação de Bendine
As respostas de Dilma ao longo do depoimento abordaram principalmente a indicação de Bendine à presidência da Petrobras e o mercado de petróleo na época em que estava na Presidência. Logo no início, o Ministério Público Federal pediu que Dilma fosse ouvida como informante e não como testemunha, já que ela teria indicado Bendine para o cargo, mas o pedido foi negado por Moro.
Eu não queria que ela se afastasse, eu tentava evitar o máximo possível. (...) Isso era público e notório.
Dilma Rousseff
sobre a saída de Graça Foster da presidência da Petrobras
A ex-presidente lembrou que decidiu indicar Bendine somente após três pedidos da então presidente da Petrobras Graça Foster para deixar o cargo.
— Tinha e tenho uma avaliação muito boa da doutora Graça Foster. A doutora Graça Foster era uma pessoa da empresa que combinava uma grande capacidade de gestão e um conhecimento bastante aprofundado técnico, principalmente numa área decisiva que é engenharia de postos de petróleo. (...) Eu não queria que ela se afastasse, eu tentava evitar o máximo possível. Isso era público e notório. Daí porque de fato eu tomei atitude de trocar a diretoria da Petrobras a partir do fato que eu constatei que ela não ficaria.
Questionada sobre a celeridade da indicação e da posse, que ocorreu na mesma semana, ela destacou que a medida era fundamental.
— Era importante que não houvesse vacância. Afetaria as ações e a posição da empresa.
Eu convidei o doutor Bendine e disse que era importante que ele deixasse a presidência do Banco do Brasil e fosse para a Petrobras. Eu persuadi o doutor Bendine.
Dilma Rousseff
sobre a troca no comando da Petrobras
Sobre a escolha de Bendine, Dilma respondeu o executivo se credenciou à vaga diante do histórico de sucesso à frente do Banco do Brasil.
— Eu escolhi o doutor Bendine e o doutor Ivan (de Souza Monteiro, diretor financeiro do Banco do Brasil na época) pelo desempenho que eles tinham diante do Banco do Brasil.
Dilma disse que teve que convencer Bendine a aceitar, já que ele estava numa posição cômoda no banco, que registrava recuperação desde 2010.
— Eu convidei o doutor Bendine e disse que era importante que ele deixasse a presidência do Banco do Brasil e fosse para a Petrobras. Eu persuadi o doutor Bendine.
* Com Estadão Conteúdo