O dia 16 de março de 2016 será lembrado como aquele em que o prolongado período de guerra fria entre o governo Dilma Rousseff e as hostes do juiz federal Sergio Moro deu lugar a um conflito bélico escancarado.
A primeira bomba atômica, que já vinha sendo armada pelo Palácio do Planalto havia alguns dias, foi lançada no começo da tarde – depois de três horas de reunião entre a presidente e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva – e teve efeito devastador.
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Duas semanas após ser levado pela Polícia Federal (PF) para depor como suspeito de corrupção na 24ª fase da Operação Lava-Jato, o ex-presidente era anunciado como novo ministro da Casa Civil, com poderes para operar a articulação política do governo. Em outras palavras: se o objetivo da oposição e de milhões de brasileiros que saíram às ruas no domingo era evitar que Lula voltasse ao poder em 2018, teriam agora de engoli-lo já em 2016.
Em consequência do anúncio, megatons de indignação varreram o território brasileiro, com epicentro em Brasília. A estratégia de Dilma foi vista pelos adversários do governo como uma forma desavergonhada e mal disfarçada de blindar Lula – na condição de ministro, ele obteria foro privilegiado e estaria fora do alcance das garras de Moro.
Se o Planalto resolveu abrir mão dos negaceios e das firulas diplomáticas diante dos investigadores, o quartel-general da Lava-Jato não ficou para trás. Qualquer verniz de moderação que ainda houvesse na força-tarefa liderada por Moro foi abandonado no começo da noite, quando se conheceu o contra-ataque lançado de Curitiba.
Pouco depois de uma entrevista coletiva em que a presidente Dilma Rousseff chegou tensa, mas depois se sentiu à vontade para justificar a nomeação como fundamental para o governo, o juiz federal apertou no botão vermelho: disparou um despacho em que anunciava a quebra do sigilo das interceptações de uma miríade de telefonemas feitos por Lula.
Não havia mais dúvida. Agora, a Lava-Jato era assunto pessoal.
Ao longo da noite, as interceptações liberadas começaram a ser conhecidas e a fazer baixas.
A principal peça da artilharia de Moro foi uma conversa telefônica entre Dilma e Lula feita poucas horas antes, às 13h32min de quarta-feira. Nela, a presidente avisava o ex-presidente – que embarcara de volta para São Paulo – que estava enviando um termo de posse, supostamente para o cargo de ministro. O que se sabia era que Lula assumiria o posto na próxima terça-feira.
Oposição pediu renúncia de Dilma após divulgação de gravação
A conversa foi interpretada pelos adversários como uma medida da presidente para garantir uma espécie de salvo-conduto a seu antecessor: caso tentassem prendê-lo antes de assumir o novo cargo, deveria assinar o termo para mostrar que já era ministro e não podia ser levado.
Depois que a gravação veio à tona, despertando um debate jurídico sobre a atitude de Moro, o Brasil parecia em ebulição. No plenário da Câmara, deputados da oposição e dissidentes da base governista pediam aos gritos a renúncia de Dilma e bradavam em coro: "Lula ladrão". Não tardou para uma multidão, concentrada diante do Planalto para protestar desde o começo da tarde, ganhar volume e fúria.
Pelo Brasil, começaram a pipocar manifestações contra o governo. O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, reagiu dizendo que a divulgação do áudio da conversa com Dilma era é uma "arbitrariedade" e estimulava a "convulsão social".
A tentativa do governo de evitar uma possível prisão de Lula não ficou no termo de posse encaminhado por antecipação. À noite, depois que se soube da quebra das interceptações telefônicas, ocorreu algo insólito: o governo fez publicar uma edição extra do Diário Oficial da União, com decreto por meio do qual Dilma oficializava a nomeação de Lula. Dessa forma, estava garantido o foro privilegiado. A investigação e o aval a um pedido de prisão do ex-presidente deixavam de ser prerrogativa de Moro, passando para a alçada do Supremo Tribunal Federal.
Lula disse à presidente que vai antecipar campanha de 2018
O tensionamento entre Lava-Jato e governo começou a virar conflito aberto no dia 4, quando Moro decretou a polêmica condução coercitiva de Lula para prestar depoimento. Ali, ficou evidente que o magistrado, a PF e o Ministério Público Federal não tinham mais pudores: sim, Lula era o alvo.
Depois de depor, o ex-presidente deu o troco. Em pronunciamento na sede nacional do PT, começou a armar sua ofensiva:
– Se quiseram matar a jararaca, não fizeram direito, pois não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva.
Entre as gravações liberadas nesta quarta, há uma conversa entre Lula e Dilma, feita no dia da condução coercitiva, que mostra como as armas já estavam sendo afiadas:
– Eu tô dizendo aqui pro PT que não tem mais trégua, que não tem que ficar acreditando na luta jurídica. Temos de aproveitar a nossa militância e ir pra rua. Vou antecipar minha campanha pra 2018, vou acertar de viajar esse país a partir da semana que vem.
À noite, o governo divulgou nota de repúdio à divulgação dos grampos, na qual sustentava que Dilma resolvera encaminhar o termo de posse a Lula porque não havia certeza de que o ex-presidente poderia comparecer à cerimônia de renovação do ministério – que está marcada para as 10h desta quinta-feira.