O senador Aécio Neves, que tem seu afastamento julgado nesta terça-feira (17) no Senado, escreveu uma carta aos colegas da casa. No texto, o tucano diz enfrentar uma "trama tão ardilosamente construída" e, por isso, pede ajuda dos demais integrantes da Casa para retornar às funções para as quais foi eleito. Por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), Aécio foi afastado das atividades como parlamentar e cumpre regime de reclusão noturna desde o fim de setembro.
A continuidade ou revogação dessas determinações cautelares está sendo votado no Senado. Seja qual for a decisão, ela deve ser amparada por 41 dos 81 senadores.
Essa é uma das razões pela qual Aécio redigiu o documento fazendo apelo aos demais parlamentares.
"O que está em jogo é se pode, de forma monocrática ou por maioria de votos de uma das turmas do Supremo, um parlamentar ser afastado de suas funções sem ser previamente julgado", escreve em um trecho.
Na carta, Aécio se desculpa pelos "termos inadequados" que empregou nas conversas gravadas pelo empresário Joesley Batista e afirma que se "penitencia diariamente" em razão deles. A mensagem foi impressa e distribuída aos senadores com assinatura feita à mão por Aécio.
No texto há, ainda, uma nota do advogado do tucano, Alberto Zacharias Toron, enumerando nove razões por que os senadores deveriam votar para restabelecer as funções parlamentares de seu cliente.
Na segunda-feira (16), o presidente Michel Temer usou técnica parecida ao encaminhar um texto para seus aliados que votarão sobre uma segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra ele. No documento, o presidente se diz vítima de uma conspiração.
Leia a íntegra da carta:
"Carta do senador Aécio Neves aos senadores
Aos meus pares
Nesta terça-feira, o plenário do Senado Federal irá deliberar sobre a manutenção ou não de sanções que me foram impostas por votação dividida da Primeira Turma do STF, entre elas o afastamento do mandato que me foi conferido por mais de 7 milhões de mineiros, além do recolhimento domiciliar noturno.
Caro colega,
Talvez você possa imaginar a minha indignação diante da violência a que fui submetido e o sofrimento causado a mim, à minha família e a tantos mineiros e brasileiros que me conhecem de perto em mais de trinta anos na vida pública, como parlamentar e como governador de Minas Gerais. Só vejo um caminho para enfrentar trama tão ardilosa construída, como se sabe agora, com a participação de agentes públicos ligados à Procuradoria Geral da República ao lado de empresários inescrupulosos que não se constrangem em acusar pessoas de bem para obter os benefícios que buscavam.
Em razão da gravidade do que será decidido, tanto em relação a mim, pessoalmente, quanto ao próprio Senado, tomo a liberdade de encaminhar-lhe de forma bastante objetiva alguns esclarecimentos para os quais desde já agradeço sua atenção.
A determinação dessas cautelares, sem que sequer houvesse denúncia aceita contra mim, e o mais grave, sem que eu sequer pudesse apresentar as provas de minha defesa, se sustenta em uma gravação feita de forma clandestina, portanto criminosa, por um réu confesso, Joesley Batista, em busca dos extraordinários benefícios de sua delação premiada, agora interrompida.
O encontro, como demonstram as novas gravações que haviam sido omitidas pelos delatores, tinha como objetivo oferecer ao empresário um apartamento de propriedade de minha família, cuja venda ajudaria a pagar as despesas de minha defesa. Já claramente orientado, ele transformou essa consulta numa proposta de empréstimo que seria devidamente regularizado e pago não fosse outra a intenção do delator.
Não houve em nenhum momento oferta de contrapartida ou envolvimento de dinheiro público, o que descaracteriza qualquer ato ilícito. Aliás, outro delator da própria JBS, Ricardo Saud, afirma em seu depoimento: "Ele (Aécio) nunca fez nada por nós."
Novos depoimentos de delatores apontam para o que é ainda mais grave: o prévio conhecimento de agentes do Estado, notadamente da Procuradoria Geral da República, sobre essas gravações, o que por si só configuraria crime de responsabilidade. Descobre-se agora que o Sr. Joesley saiu de reunião de várias horas na PGR para, no mesmo dia, horas depois, fazer a criminosa gravação de que fui vítima, sem prévia e devida autorização do STF, como determina a Constituição.
Caro colega,
Já me desculpei, e volto a fazê-lo, e me penitencio diariamente pelos termos inadequados que utilizei naquela conversa que imaginava privada, sabendo que nem isso os justifica. Mas reitero: não cometi qualquer crime. O que peço é única e exclusivamente aquilo a que tem direito qualquer cidadão e que não deve ser retirado de alguém pelo fato de ser detentor de mandato eletivo: a oportunidade de apresentar a minha defesa e provar a minha inocência, sem pré-julgamentos e sem sentença antecipada.
Como sabem os que me conhecem mais de perto, não cheguei ontem na vida pública, tenho 31 anos de mandatos eletivos, cumpridos de forma dedicada e honrada em nome dos mineiros. Tomo, portanto, a liberdade de levar à sua consideração essas questões, pois, mais do que a preservação de um mandato, legítima e democraticamente conquistado, está em jogo a garantia do livre e pleno exercício de mandatos eletivos e a não prevalência de um Poder sobre outro, como preconiza a nossa Constituição, que tive a honra de assinar como constituinte.
Ao final, o que estará em jogo é se pode, de forma monocrática ou por maioria de votos de uma das turmas do Supremo, um parlamentar ser afastado de suas funções sem ser previamente julgado.
Veja que essa é uma decisão que terá repercussão também nos Estados e municípios de todo o país.
Por fim, peço seu apoio e seu voto para que eu possa no exercício do mandato, que me foi conferido pelos mineiros, apresentar minha defesa e provar minha inocência frente a ataques tão violentos quanto injustos.
Agradecendo sua atenção, coloco-me à sua disposição para qualquer esclarecimento que julgar necessário.
Aécio Neves
PS - Encaminho anexo, nota sucinta, que esclarece algumas dessas questões, elaborada pelo advogado Alberto Zacharias Toron.
Nota do advogado Alberto Zacharias Toron
A Primeira Turma do STF, em recentíssimo acórdão relatado pela ministra Rosa Weber, ao julgar a Ação Penal nº 580, assentou que: "A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura...".
Se isso é verdade, no caso do senador Aécio Neves é eloquente a necessidade de se banir as cautelares que o afastaram do mandato. Vejamos:
1) Ele não é réu em nenhuma ação penal;
2) Ele ainda não teve o direito de se defender para demonstrar sua inocência;
3) Provas novas, oriundas de gravações omitidas e escondidas pelos delatores, surgem a cada momento, desmerecendo a versão inicial por eles apresentada;
4) O que se disse num primeiro momento contra o senador Aécio não mais se sustenta;
5) Gravações omitidas pelos delatores comprovam que a família Neves procurou Joesley Batista para lhe oferecer à venda um apartamento no valor de R$ 40 (quarenta) milhões, a fim de obter recursos para fazer frente a diversas despesas, inclusive com advogados. Partiu do delator, como contraproposta a essa venda, a sugestão de empréstimo pessoal, no valor de R$ 2 milhões de reais, custo estimado com a defesa. Jamais houve pedido de propina e nada envolvia dinheiro público.
6) Os delatores narraram que teriam realizado pagamentos ilegais na monta de R$ 60.000.000,00 (sessenta) milhões para o senador Aécio Neves. Contudo, todos esses pagamentos referem-se a doações de campanha oficiais, devidamente declaradas e disponíveis no site do TSE.
7) Os próprios delatores confessaram nunca terem obtido qualquer contrapartida, vantagem ou benefício por parte do senador Aecio, inexistindo, sob qualquer ângulo, corrupção.
8) A alegada obstrução de justiça jamais existiu, restringindo-se ao legítimo exercício da função legislativa, que abrange a discussão e votação de leis.
9) Portanto, pretender manter o afastamento do Senador Aécio sem processo e sem o correlato direito de defesa, mais que ofender o princípio da presunção de inocência, vilipendia a própria representação democrática da República."