A nova denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aponta que o presidente Michel Temer (PMDB) e seus aliados — integrantes do chamado quadrilhão do PMDB — arrecadaram propina de ao menos R$ 587 milhões "por meio da utilização de diversos entes e órgãos públicos". Conforme Janot, foram lesados Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados.
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"Com o avanço das investigações, descobriu-se que esse esquema de corrupção não estava adstrito à Petrobras, mas foi implantado em diversas empresas públicas. (...) Em outras linhas, tem-se verdadeira organização criminosa, espelhada na estrutura de Estado, com núcleos autônomos e interdependentes, em verdadeira e típica organização nodal, como sói ocorrer em crimes de "colarinho branco", escreveu Janot na denúncia.
A seguir, veja como cada instituição foi prejudicada pelo esquema denunciado por Janot:
Petrobras
A Petrobras é apontada como a principal fonte de recursos ilícitos que financiariam a organização criminosa devido ao tamanho da empresa. O prejuízo causado aos cofres da estatal pela "atuação cartelizada" pode chegar a R$ 29 bilhões, segundo Janot.
De acordo com a PGR, o grupo do PMDB trocou apoio político ao PT por cargos na empresa. "Jorge Luiz Zelada assumiu a Diretoria Internacional da Petrobras em março de 2008, com ele, João Augusto Rezende Henriques passou a ser o grande operador financeiro da arrecadação da propina em proveito dos ora denunciados, em especial de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Michel Temer", diz trecho da denúncia.
Dessa forma, o grupo obtinha propinas em contratos para construção de navios-sonda e de realização de serviços de recuperação de ativos da Petrobras, entre outros.
"Observe-se que o mecanismo se enquadra na regra de levantamento de propina pela organização criminosa: facilitações ou direcionamento de contratos, recebimento de comissões por intermediários e posterior repasse para integrantes do núcleo político", consta na denúncia.
Caixa Econômica Federal
O PMDB da Câmara é suspeito de disputar cargos dentro da Caixa para comandar um esquema que consistia na liberação de recursos por meio do FI-FGTS, programa em que empresas tomavam recursos para obras de infraestrutura. O desvio durou de 2008 a 2015, conforme Janot.
O primeiro a ocupar um cargo na Caixa foi Moreira Franco. Em 2008, ele foi nomeado vice-presidente de Fundos de Governo e loterias da Caixa (CIFUG). A partir daí, Eduardo Cunha também entrou no esquema "devido ao seu excelente desempenho como arrecadador de propina". Ainda ocuparam cargos no banco Fábio Cleto e Geddel Vieira Lima.
De acordo com a denúncia, Henrique Eduardo Alves e Michel Temer também eram beneficiados pelas propinas e "tinham plena ciência de como o esquema funcionava".
Ministério da Agricultura
A denúncia aponta que o dono da JBS Joesley Batista pagou propina aos políticos do PMDB em troca de decisões favoráveis à empresa tomadas pelo Ministério da Agricultura, cujos ministros eram peemedebistas. Os valores citados chegam a R$ 7 milhões.
A PGR relata que, dentro das negociações para o PMDB da Câmara apoiar os governos do PT, Michel Temer conseguiu a nomeação de Wagner Rossi como ministro da Agricultura em abril de 2010. Após a saída de Rossi da pasta, Temer teria solicitado a Joesley o pagamento de uma "mesada" no valor R$ 100 mil ao ex-ministro e de R$ 20 mil a Milton Ortolan, visto como braço direito de Rossi.
Com a ajuda de Eduardo Cunha e Lucio Funaro, a denúncia aponta que Joesley conseguiu a aprovação da federalização do sistema de inspeção animal no país e a revogação de um ato normativo que autorizava a aplicação de vermífugos de longa duração e diluição — "sempre com o aval de Henrique Eduardo Alves e Michel Temer".
Furnas
Segundo a denúncia da PGR, o PMDB na Câmara conseguiu o comando de Furnas por meio de Eduardo Cunha, que tinha o poder de indicar cargos para a empresa de economia mista, inclusive, para a presidência.
No comando de Furnas, o PMDB oferecia garantia de favorecimento a empresas em troca de propina paga por meio de doações eleitorais. Segundo Janot, "a propina era cobrada de todas as empresas que tinham contratos de serviço e também daquelas consorciadas da Companhia".
Cunha teria recebido R$ 50 milhões em troca de benefícios a empresas em negócios ligados a Furnas. Desse montante, segundo Janot, o deputado cassado embolsou R$ 20 milhões e distribuiria o restante entre seus aliados. Do total recebido por Cunha, R$ 12 milhões foram pagos pela Construtora Odebrecht e R$ 8 milhões pela Andrade Gutierrez, conforme a denúncia.
Ministério da Integração Nacional
O Ministério da Integração Nacional era um dos postos comandados pelo PMDB na Câmara. A relevância do orçamento da pasta teria atraído o grupo. O partido promovia esquemas fraudulentos dentro do ministério, principalmente, por meio de Geddel Vieira Lima, então presidente do órgão, e Henrique Eduardo Alves, que era responsável pela indicação do diretor-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS).
Com a escolha do comandante do DNOCS, os políticos garantiam o recebimento de propina paga por empresas que mantinham negócios no departamento. Conforme a denúncia, no período em que Elias Fernandes, um dos indicados pelo PMDB, foi Diretor-Geral do DNCOS, a Controladoria-Geral da União apurou que mais de R$ 312 milhões foram desviados dos cofres público.
Secretaria de Aviação Civil
O procurador-geral da República afirma que a Secretaria de Aviação Civil foi alvo de uma série de fraudes em leilões de concessões de aeroportos. Conforme a denúncia, a Odebrecht não teve sucesso na primeira rodada da disputa, que previa a concessão dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, em 2012 — antes de Moreira Franco assumir a chefia do órgão.
Assumindo a presidência da pasta, Moreira Franco atendeu a pedidos da empreiteira e garantiu a permanência de itens que beneficiavam a Odebrecht na concorrência.
"Ao final do processo de concessão, os interesses da Odebrecht foram atendidos, pois não foram alteradas as cláusulas de interesse do grupo, sagrando-se vencedora na concessão do Aeroporto do Galeão", diz Janot em trecho do documento.
Após beneficiar a Odebrecht, Moreira Franco teria solicitado R$ 4 milhões à empreiteira para a campanha de 2014. O ministro teria indicado Eliseu Padilha para receber a propina. Parte do dinheiro teria sido entregue no escritório de Padilha em Porto Alegre. Para Janot, a postura do então ministro deixa "translúcida a relação promíscua entre o público e o privado, revelando um verdadeiro escambo por parte de Moreira Franco com a coisa pública".
Câmara dos Deputados
Segundo o procurador-geral da República, o PMDB montou esquema para cobrar propina de empresas em troca de benefícios em medidas legislativas. Os políticos integrantes do núcleo político contatavam setores do empresariado impactados com as propostas legislativas para garantir pagamentos de vantagens indevidas em troca da aprovação ou não de determinada medida.
Na Câmara, esse esquema era feito por Padilha e Eduardo Cunha. Romero Jucá e/ou Renan Calheiros promoviam as negociatas no Senado, segundo Janot.
Na denúncia, a PGR cita favorecimento ilícito a diversas empresas, como Odebrecht e Gol. Um dos casos narra que, em 2015, Cunha teria pedido R$ 15 milhões à JBS para garantir vantagens que o setor de aves mantivesse a sua alíquota na nova proposta legislativa do Executivo sobre as desonerações. O projeto foi aprovado com uma emenda que assegurou a vantagem ao grupo. Cunha teria cobrado um adicional de R$ 5 milhões após a efetivação do acordo.
Irregularidades em outras áreas
Na denúncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot narra outras irregularidades cometidas pelo grupo, como a atuação de Henrique Eduardo Alves nas obras da Arena das Dunas. O ex-ministro teria agido para favorecer a empreiteira OAS em troca de doações eleitorais oficiais na sua campanha a Governador do Estado do Rio Grande do Norte em 2014.
O procurador também cita episódio em que Temer teria solicitado R$ 300 mil à JBS em 2016. O valor seria usado para custear despesas de marketing. O presidente solicitou o montante em seu escritório, em São Paulo, segundo Janot.
*Zero Hora