Um ano e meio após o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar o encarceramento imediato a réus condenados em segunda instância, cresce entre integrantes da Corte o desejo de rever a decisão. A possibilidade de os ministros criarem nova jurisprudência sobre o tema causa polêmica entre operadores do Direito e reacende o debate sobre impunidade e morosidade da Justiça.
O estopim para a controvérsia foi habeas corpus concedido no último dia 23 pelo ministro Gilmar Mendes. Na decisão, ele tirou da cadeia um empresário condenado a quatro anos por omissão de informações às autoridades fazendárias. O despacho contraria voto do próprio Gilmar no julgamento em que o STF adotou a execução de pena a partir do segundo grau.
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Até 2009, o tribunal entendia que não havia necessidade de se esgotar todas as possibilidades de recursos para decretar a prisão de condenado. Naquele ano, os ministros passaram a exigir o trânsito em julgado (julgamento definitivo). A regra vigorou até fevereiro de 2016, quando o STF negou liberdade a um ajudante-geral condenado por roubo. Por sete votos a quatro, o plenário decretou que o acusado, ainda que siga recorrendo, pode aguardar preso novo julgamento.
Desde então, a discussão gera turbulência na Corte, com ministros tomando decisões monocráticas diferentes do pacificado em plenário. Em julho do ano passado, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski concederam liminares suspendendo o imediato cumprimento de pena a duas pessoas condenadas em segunda instância. Tanto Mello quanto Lewandowski, que haviam sido derrotados no julgamento de fevereiro, justificaram a medida salientando que a decisão anterior não tinha efeito vinculante. Dessa forma, Lewandowski garantiu liberdade a um prefeito condenado por fraude em licitações, e Mello, a um homicida. Em entrevistas e votações nas turmas, outros magistrados passaram a adotar a mesma tese, caso de Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello.
Agora, o mote para nova revisão é uma ação impetrada pelo Partido Nacional Ecológico (PEN) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ambos alegam que a decisão tomada em fevereiro de 2016 trouxe insegurança jurídica ao princípio constitucional da presunção de inocência. Embora não haja força vinculante, OAB e PEN sustentam que tribunais de todo o país "passaram a adotar idêntico posicionamento".
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Ao julgar liminar no caso do ajudante-geral, o STF manteve em outubro o entendimento original, mas o placar refluiu. Se em fevereiro havia sido de sete a quatro pela execução da pena, desta vez foi seis a cinco. Como nas duas votações Gilmar seguiu o voto vencedor e, agora, admite mudar de opinião, a probabilidade é de que, quando for julgar o mérito da ação, o tribunal caminhe para barrar novamente as prisões após condenação em segunda instância.
– Seria um retrocesso para todo o sistema criminal. A Justiça precisa funcionar para dar efetividade à execução penal. É difícil compreender nova mudança, isso não traz estabilidade e ainda gera tratamento desigual aos réus que já passaram a cumprir pena a partir da decisão do Supremo – comenta o procurador Antônio Carlos Welter, membro da Lava-Jato.
Ex-presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, Patrícia Kettermann discorda. Para ela, a observância do trânsito em julgado está expressa na Constituição e evita erros:
– Há uma diferença clara na forma como são tratados os réus pobres, inclusive na demora para análise de um habeas corpus. Ainda assim, temos boa taxa de sucesso nos tribunais superiores. Você prender uma pessoa e depois ela ser considerada inocente causa um dano irreparável.
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AS VOTAÇÕES
Como foram os dois julgamentos sobre permissão para prender pessoas condenadas em segunda instância:
EM FEVEREIRO DE 2016
A favor
-Cármen Lúcia
-Dias Toffoli
-Edson Fachin
-Gilmar Mendes
-Luís Roberto Barroso
-Luiz Fux
-Teori Zavascki*
Contra
-Celso de Mello
-Marco Aurélio Mello
-Ricardo Lewandowski
-Rosa Weber
EM OUTUBRO DE 2016
A favor
-Cármen Lúcia
-Edson Fachin
-Gilmar Mendes
-Luís Roberto Barroso
-Luiz Fux
-Teori Zavascki*
Contra
-Celso de Mello
-Dias Toffoli
-Marco Aurélio Mello
-Ricardo Lewandowski
-Rosa Weber
* Morreu em janeiro de 2017. Na sua vaga, assumiu o ministro Alexandre de Moraes