O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) suspendeu por liminar, na última sexta-feira (22), todas as ações movidas por centenas de prefeitos contra a União pedindo o pagamento de verbas federais complementares para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério (Fundef). Os pedidos somavam mais de R$ 20 bilhões, mas outras ações que ainda não haviam transitado em julgado poderiam atingir R$ 90 bilhões, mais da metade da projeção de rombo fiscal do governo federal em 2017 (R$ 159 bilhões).
A decisão foi do desembargador federal Fábio Prieto, que acatou pedido da União. O resultado é uma vitória para o Planalto, que enfrenta uma verdadeira dor de cabeça envolvendo ações ajuizadas por Estados e municípios pedindo verbas federais para o Fundef, um fundo específico destinado à manutenção da educação e à valorização do magistério, que funcionava entre 1998 e 2006. No início de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia imprimido uma forte derrota ao governo federal, condenando-o ao pagamento de quase R$ 50 bilhões a Estados.
Na liminar do TRF3, Prieto suspendeu uma decisão de 1999, quando a Justiça acatou o pedido do Ministério Público Federal (MPF), representando o município de São Paulo, que exigia do Tesouro o pagamento de verba complementar no Fundef.
A decisão de 1999 foi usada como base para que prefeitos de todo o Brasil também entrassem na Justiça exigindo do Tesouro verba federal complementar para os gastos com educação dos municípios. As ações, que exigem transferências de valores de 1998 a 2006 com juros e correção monetária, são estimuladas pela Confederação Nacional de Municípios (CNM).
— A União desvia bilhões da educação. Ela cria lei e depois não cumpre — critica Paulo Ziulkoski, presidente da entidade.
O pedido de suspensão das ações envolvendo prefeituras foi feito pelo governo federal para estancar uma sangria no Tesouro. Na sentença, o desembargador cita que pedidos já ajuizados apenas por municípios acarretariam o desembolso de R$ 20 bilhões em verba federal para o Fundef. Mas o valor poderia chegar a R$ 90 bilhões, caso todos os processos transitassem em julgado.
O pedido foi acolhido pelo desembargador do TRF3 com base em dois argumentos. Primeiro, alegou que São Paulo, onde a primeira ação primeiramente foi proposta, "nunca precisou receber verba de complementação" do governo federal para o Fundef – portanto, não faria sentido um juiz do Estado analisar um pedido referente a algo que afetava outra região do país.
"Pelos critérios da Presidência da República ou da própria tese proposta na petição inicial da ação civil pública, o Ministério Público Federal nunca provou que São Paulo foi vítima de dano", completou, ressaltando que o governo federal costuma entrar com dinheiro sobretudo em Estados do Nordeste.
Além disso, Prieto afirma que o MPF não poderia mover a ação, representando os municípios, uma vez que a Constituição proíbe à instituição representar entidades públicas. Para ele, corre-se o risco de exercer "Justiça com mão própria".
O desembargador ainda criticou os prefeitos por assinarem "contratos bilionários" com escritórios privados de advocacia, o que acarretaria pagamento de honorários advocatícios de recursos que deveriam ir diretamente ao Fundef. Por isso, Prieto solicitou à Procuradoria-Geral da República (PGR) abrir investigação contra os prefeitos para checar se eles cometeram o crime de improbidade administrativa. "Os Prefeitos estão abrindo mão de crédito recebível, a custo zero (a verba do Fundef), em benefício de alunos e professores localizados nas regiões mais desfavorecidas do País, em troca de endividamento bilionário, com alguns escritórios de advocacia".
Municípios gaúchos não entraram com pedido
Nenhuma das centenas de prefeituras que entraram com ação é gaúcha. A pedido de Zero Hora, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul realizou levantamento e informou que não tramita em nenhuma das varas de primeiro grau processo entre municípios gaúchos e a União envolvendo disputas sobre o Fundef. A Procuradoria-Regional da República no Rio Grande do Sul também informou que a União não é parte em nenhum processo envolvendo o fundo.
— Essas ações envolvem municípios do Nordeste, de alguns Estados do Centro-Oeste, do Norte e de parte do Sudeste, em Minas Gerais. São as cidades que não conseguiam atingir o valor mínimo exigido para aluno — diz Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Entenda a disputa sobre o Fundef
A União enfrenta um pesadelo envolvendo ações ajuizadas por Estados e municípios pedindo verbas complementares do governo federal para utilização no Fundef, um fundo específico destinado à educação.
No início de setembro, o governo federal levou um duro golpe no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte julgou ações de Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Amazonas, que reclamavam dos critérios de repasse do Fundef. Conforme a lei do fundo, a União deveria dividir a receita fiscal de cada Estado pelo número de alunos do Ensino Fundamental do ano anterior. O resultado era o valor que o Estado deveria investir em cada aluno – caso não conseguisse, o Tesouro entraria com verba complementar.
O valor mínimo para investir em cada aluno era de R$ 315 em 1998, mas algumas cidades de São Paulo, Estado mais rico da federação, chegaram a destinar R$ 1.165.
Os Estados aproveitaram uma brecha na lei para argumentar que o governo federal deveria considerar o valor da receita de todos os Estados (e não de cada um) e dividi-lo pelo número de matrículas. Na prática, ao levar em conta as receitas de regiões mais ricas, o valor mínimo a ser investido por indivíduo em Estados com menor receita fiscal também aumentava – o que ampliaria também a verba que o governo federal deveria complementar. No Supremo, os ministros decidiram, por 5 votos a 2, que o governo deveria pagar as diferenças aos Estados — segundo estimativas da União, os pagamentos atingem R$ 50 bilhões. Cabe ainda um tipo de recurso, chamado de embargo declaratório.
A decisão do TRF3 de suspender as ações dos municípios deu novo fôlego à União. Se o Tesouro fosse condenado a também pagar diferenças às prefeituras, estimadas em R$ 90 bilhões, o valor total destinado ao pagamento do Fundef envolvendo Estados e Municípios atingiria quase a previsão de rombo fiscal de 2017 (R$ 159 bilhões).
O que é o Fundef?
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1998 a 2006, era uma verba obrigatória que Estados e municípios deveriam destinar ao Ensino Fundamental (1º ao 8º ano, já que na época ainda não havia 9º). Em especial, ele definia um mínimo a ser investido para cada aluno da rede pública de ensino – em 1998, o valor era de R$ 315 por matrícula ao ano, mas o valor era maior para regiões mais ricas. Caso o valor mínimo não fosse atingido, a União era obrigada a entrar com verba complementar. O objetivo da lei era que, em regiões mais pobres, o Tesouro asseguraria uma educação com qualidade equivalente à de regiões mais ricas. Em 2007, ele foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que beneficia todos os anos do ensino básico.