Suspeitos de obstrução da Justiça, o ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) tiveram destinos diferentes no Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois foram alvo de pedidos de prisão pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Entretanto, o ex-líder do governo de Dilma Rousseff no Senado acabou detido, enquanto a prisão do cacique tucano foi rejeitada pela Suprema Corte.
Segundo o professor de Direito Penal da Unisinos Miguel Wedy, a prisão preventiva de parlamentares é proibida pela Constituição. Por isso, um político com mandato na Câmara ou no Senado só poderia ser preso no caso de crime em flagrante: seria a situação de Delcídio, mas não a de Aécio, segundo o professor.
— O procurador-geral conseguiu estabelecer uma situação em que (Delcídio) estava em flagrância, ou seja, estava em ação (de obstrução) quando foi decretada a prisão — explica Wedy. — (É) diferente desse caso do Aécio porque ele teria, em tese, praticado o ato, mas não estava em curso uma ação dele: ele teria pedido dinheiro (a Joesley Batista, dono da JBS), mas não para obstruir a Justiça.
Mas o que explica a diferença das decisões do STF nos dois casos? Detido pela Polícia Federal em novembro de 2015, Delcídio foi o primeiro senador preso durante o exercício do mandato desde a redemocratização. Contra ele, pesavam as suspeitas de tentar comprar o silêncio e planejar a fuga do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Delcídio prometeu ao advogado do ex-executivo da estatal que conseguiria um habeas corpus no STF para libertar Cerveró, que havia sido preso pela Operação Lava-Jato. Delcídio também disse que tinha conversado com os ministros Dias Toffoli e Teori Zavascki, e iria buscar o apoio de Edson Fachin e Gilmar Mendes.
Aécio, por sua vez, foi gravado pelo dono da JBS, Joesley Batista, pedindo R$ 2 milhões ao empresário para pagar despesas da sua defesa na Lava-Jato. O ex-governador mineiro indicou o primo, Fred, para receber o dinheiro:
— Tem que ser um (para receber o dinheiro) que a gente mata ele antes de fazer delação. Vai ser o Fred com um cara seu. Vamos combinar o Fred com um cara seu porque ele sai de lá e vai no cara. E você vai me dar uma ajuda do caralho — diz Aécio na gravação.
Os critérios do STF
Para Janot, havia razão para prisão nas duas situações. Para o STF, não.
No caso de Delcídio, o então relator da Lava-Jato,Teori Zavaski (morto em acidente de avião, em janeiro), autorizou o pedido de prisão feito pela Procuradoria-Geral da República. Depois, a decisão foi mantida pela Segunda Turma do STF. Em relação a Aécio, o ministro Edson Fachin determinou que o mandato do tucano no Senado fosse suspenso, mas negou a prisão. A decisão foi respaldada pela Primeira Turma da Corte na última terça-feira (26).
Para explicar a diferença nas decisões sobre Delcídio e Aécio, o professor do Direito Penal da Unisinos afirma que o Supremo "deve ter visto" que no caso do ex-senador petista "houve uma violação da Constituição" porque não haveria a possibilidade de prisão preventiva de parlamentar, apenas em flagrante. Já no caso de Aécio, de acordo com Wedy, o pedido de R$ 2 milhões a Joesley por si só não justificaria o pedido de prisão.
— Se se configurasse flagrante (no caso de Aécio), ele deveria ter sido preso em flagrante. Agora não há mais o flagrante, então não tem como estabelecer prisão — analisa Wedy. — Vamos supor que ele (Aécio) seja corrupto. O fato de ele ter pego dinheiro para ele é obstrução de Justiça? Cadê a prova? — questiona.
Embora avalie que os casos de Delcídio e Aécio são diferentes, Wedy afirma que o STF vem tendo dificuldade para julgar questões que envolvem políticos.
— Muitas decisões do Supremo têm sido tomadas não a partir do texto da Constituição, mas a partir de ingerências políticas e de temores políticos. Não deveria existir espaços para moralismo e subjetividade nessas decisões. Se a gente não tomar decisões técnicas e abrir (espaço) para o moralismo e para o subjetivismo, cada juiz vai fazer o que quiser.
Após ser preso, Delcídio deixou a prisão e fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. O mandato do então petista foi cassado pelo Senado.
Apesar de ter o pedido de prisão negado, o STF impôs o afastamento de Aécio do mandato e proibiu que o tucano deixe a sua residência à noite. A decisão deverá ser votada em plenário pelo Senado na próxima terça-feira (3).