A era digital trouxe consigo um vasto e silencioso universo de atividades criminosas, com crescente escala de dano financeiro e de imagem às empresas e aos cidadãos do mundo. Os delitos virtuais, que serão cada vez mais presentes na rotina da sociedade, foram tema de análise do delegado federal Valdecy Urquiza Jr., chefe do escritório central da Interpol no Brasil, em palestra na Jornada Internacional de Investigação Criminal, em Gramado, na manhã desta sexta-feira. Na nova realidade, o crime está muito à frente da lei e da repressão. E o público, acredite, pode estar mais exposto na internet do que nas ruas.
– A criminalidade cibernética se tornou uma epidemia global. A possibilidade de seu e-mail ser hackeado é cinco vezes maior do que a da sua casa ser invadida. Um estudo recente mostrou que 431 milhões de adultos no mundo já foram vítimas de crimes cibernéticos. O alcance é muito maior do que nos crimes convencionais – explicou Urquiza.
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Ele afirmou que há quadrilhas migrando do delito tradicional, praticado sobre o asfalto e com armas em punho, para os ataques cibernéticos. O objetivo é mitigar os riscos. Para o infrator, é mais cômodo e seguro roubar um banco do conforto de casa, tendo um computador como ferramenta, do que invadir uma agência aos berros, enfrentando esquemas privados de segurança, fazendo reféns e tentando dar no pé antes da chegada da polícia.
Em um ataque recente, hackers roubaram 30 milhões de Euros de uma empresa austríaca especializada em equipamentos de aviação.
A nova face do crime permite a um criminoso ter milhares de pessoas de todas as partes do mundo ao seu alcance. Ele rouba senhas, monitora e-mails em busca de informações privilegiadas, faz transferências de valores. O bandido tradicional é limitado: só pode afanar quem está fisicamente ao seu alcance.
– O crime na internet tem escala muito maior – afirma o chefe da Interpol no Brasil.
Ele destaca que a impunidade é outro fator de impulso. Um crime cibernético costuma violar servidores em países distintos, alguns deles sem legislação para o setor e com pouca disposição para cooperações policiais. O anonimato obtido a partir do uso de provedores como o Tor, na Deep Web, estimula o delito e dificulta as investigações. A criptografia é outra aliada dos criminosos. Os novos padrões não param por aí.
– Antes da moeda virtual, o hacker precisaria fazer alguma transferência de recursos por ordens bancárias. O modelo tradicional de investigação daria conta disso com a quebra do sigilo bancário e identificação da conta. Com a moeda virtual, não temos para quem apresentar a ordem de quebra de sigilo. Você pode ver todas as transações de bitcoin das carteiras, mas não se sabe a quem pertence. É como se eu pudesse ver todos os extratos bancários do país, mas sem ter como identificar o proprietário da conta – explica o delegado.
A certeza de que o crime organizado está ganhando a queda de braço com as autoridades quando o assunto é crime digital levou a Interpol a criar, em 2015, um complexo global de inovação tecnológica em Cingapura. O núcleo reúne polícias de 190 países, empresas de Tecnologia da Informação e acadêmicos. É um somatório de esforços para produzir inteligência capaz de superar o crime.
– O que precisamos ter em mente é que estamos diante de um novo cenário. As técnicas e instrumentos que tínhamos até então já não podem ser utilizados na investigação desses novos delitos.
A palestra de Urquiza introduziu o tema dos crimes cibernéticos em um evento marcado pelas presenças de alguns dos principais investigadores da força-tarefa da Operação Lava-Jato. Entre os temas de debate, estão técnicas de apuração policial, colheita de provas, recuperação de ativos, cooperação internacional, inquérito e processo penal. O juiz Sergio Moro será o primeiro palestrante deste sábado.