Alvos da Lava-Jato estão planejando entrar com uma ação contra Rodrigo Janot após ele deixar o posto de procurador-geral da República em 17 de setembro, conforme informações da colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, publicadas nesta quinta-feira (3). No entanto, juristas consultados por Zero Hora avaliam que um eventual processo não teria embasamento e serviria apenas para inflar a opinião pública.
Entre as maiores críticas de parlamentares contra Janot, estão abuso de poder, estímulo e acobertamento de vazamento de informações à imprensa, perseguição política e difamação. Renan Calheiros, por exemplo, denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, acusou o Ministério Público Federal (MPF) de "abuso de poder" ao investigar senadores e reclamou do vazamento seletivo de informações.
Já Temer, ao ser denunciado por corrupção passiva, insinuou que Janot teria recebido propina para firmar o acordo de leniência da empresa dos irmãos Batista.
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Por maiores as controvérsias que suscite à frente da PGR, especialistas afirmam que, pelos fatos conhecidos hoje, Janot atua dentro da lei e não pode ser penalizado no Judiciário.
– A princípio, não vejo configuração de ilícito criminal ou civil. Mas quem tem a intenção de acusar tem o encargo de mostrar a ilicitude, sob pena de responder por denunciação caluniosa. Vejo como sinal de desespero. Uma advocacia mais equilibrada não recomendaria (esse movimento), a não ser que haja uma prova inequívoca de abuso, de distorção, de excesso – avalia a professora de processo penal e criminologia da Universidade de Brasília (UnB), Beatriz Vargas.
O jurista e conselheiro da Associação de Criminalistas do Rio Grande do Sul, Lúcio de Constantino, explica que o cargo de Janot tem, como atribuição, interpretar fatos com base nas leis, portanto ele não pode ser penalizado pelas interpretações que conduz, ainda que seja questionado. Ele avalia que uma ação contra o procurador seria, na verdade, uma forma de intimidar a futura nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
– É uma ação que nasce morta. Não há hoje, de forma pública, ato desregrado do procurador, seja no aspecto cível ou no criminal. Muitas vezes, se faz um vozerio anunciando ações contra aquele que será substituído para, na verdade, precaver o substituto. Para que o próximo venha voando mais baixo – afirma.
Após deixar o cargo de procurador-geral da República, Janot não se aposentará, mas assumirá como subprocurador. Neste caso, os trâmites de um eventual processo dependeriam da natureza da ação: cível ou criminal.
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Confira o eventual caminho de uma ação contra Janot:
Ação criminal
Se for alvo de uma ação criminal, Janot manterá o foro privilegiado como subprocurador. Especialistas apontam que, entre os possíveis crimes usados por implicados na Lava-Jato para acusar o atual chefe do MPF, estão prevaricação (atuação ou omissão no serviço público em benefício próprio) e abuso de poder.
Neste caso, a ação seria analisada pelo colegiado especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme o inciso I do artigo 105 da Constituição. A turma é formada pelos 15 ministros mais antigos da Corte – dentre 33 – e o relator seria escolhido por sorteio.
Caso seja julgado pelo STJ, Janot não correria o risco de cair nas mãos dos ministros Marcelo Navarro e Francisco Falcão, com quem criou animosidade neste ano. Em pedido de investigação contra Lula, Dilma e o ex-ministro Aloizio Mercadante por obstrução de Justiça, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e acolhido pelo ministro Edson Fachin, Janot também pediu para investigar os dois ministros do STJ.
No inquérito, os investigadores do Ministério Público Federal (MPF) alegam, a partir de indícios trazidos na delação do ex-senador Delcídio Amaral, que a nomeação de Navarro para o STJ teria sido uma manobra envolvendo o ex-presidente da Corte Francisco Falcão para conquistar a liberdade de Marcelo Odebrecht. O ex-executivo da empreiteira tinha um habeas corpus a ser julgado pelo STJ.
Apesar disso, Navarro e Falcão não julgariam Janot por "suspeição" – isto é, por poderem se beneficiar do processo. Ou os próprios ministros solicitariam não tomar parte do julgamento ou o próprio Janot entraria com o pedido. O procurador provavelmente não seria retaliado pelos outros ministros graças à heterogeneidade da Corte, que abarca integrantes com várias visões políticas.
Assim como ocorre com ações da Lava-Jato no STF, se Janot discordasse de uma decisão monocrática do relator, seria possível requisitar uma análise no plenário da Corte. A uma possível condenação caberia recurso extraordinário, e o processo seria remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Contudo, Lúcio de Constantino, especialista em direito criminal, sustenta que são pouquíssimas as chances de Janot virar réu. O argumento mais forte dos acusados da Lava-Jato, diz, seria uma acusação de discriminação do procurador por firmar acordo de delação premiada com alguns investigados e não com outros. No entanto, ele ressalta que o procurador-geral tem a prerrogativa de escolha.
– É remota a chance de êxito em uma ação contra um funcionário público que cumpre seu dever. Mesmo que haja um grau de subjetividade nas escolhas das delações, elas são ancoradas em fatos. Ele tem direito de não aceitar a colaboração premiada de quem solicitá-la, por exemplo, se achar que não haverá conteúdo relevante – diz Constantino.
Ação cível
Janot não teria foro privilegiado em uma ação de natureza cível, como abuso de poder ou má-conduta no cargo, em um pedido de danos morais. Caso fosse acusado de um crime desta natureza, como improbidade administrativa por má conduta (se fosse alegada perseguição política), o procurador seria julgado por um juiz de primeira instância.
Provavelmente, o processo correria em uma Vara de Brasília, onde Janot mora, uma vez que a ação deve, preferencialmente, correr no local de domicílio do réu no momento em que a ação é proposta, explica o professor de processo civil na UFRGS, Eduardo Scarparo. Com recurso, o processo seguiria para o Tribunal de Justiça, em segunda instância. Por fim, poderia ser remetido ao STJ.
– O processo tramita normalmente, não há foro. Se Temer não pagasse o condomínio, também passaria pelo mesmo caminho. Os acusados poderiam sugerir que houve abuso de poder enquanto Janot estava no cargo. Mas, pelo que eu acompanho, não há nada nesse sentido para sustentar uma ação – defende.