O Ministério Público Federal (MPF) confirmou, na terça-feira (8), a denúncia contra 72 ex-deputados ligados ao escândalo conhecido como "farra das passagens aéreas". Entre os envolvidos cujos nomes constam em pelo menos um dos 28 inquéritos estão dois gaúchos: Beto Albuquerque (PSB) e Luciana Genro (PSOL), que gastaram, juntos, R$ 241,6 mil em viagens de avião de 2007 a 2009. Todos foram denunciados pelo crime de peculato, quando um servidor se apropria de dinheiro público para seu proveito ou de outra pessoa.
A denúncia original, apresentada em novembro do ano passado, envolvia 443 políticos, dos quais 380 não tinham foro privilegiado. Desses, 302 deixaram de responder à ação penal, por prescrição da pena ou ausência de indícios de apropriação indevida de verba da Câmara. É o caso de 11 gaúchos: Alceu Collares, Cezar Schirmer, Cláudio Castanheira Diaz, Enio Bacci, Érico da Silva Ribeiro, Fernando Marroni, Francisco Turra, Germano Bonow, Manuela D'Ávila, Matteo Rota Chiarelli, Nelson Proença, Orlando Desconsi, Paulo Roberto Manoel Pereira, Tarcísio Zimmermann, Vieira da Cunha e Vilson Covatti.
Leia mais:
Lista de deputados e ministros citados na "Farra das Passagens" tem 13 gaúchos
Denúncia contra Moreira Franco por "farra das passagens" foi enviada ao STF
MPF pede abertura de inquéritos contra Jairo Jorge e Beto Albuquerque
Segundo o MPF, os 72 que tiveram a denúncia mantida gastaram irregularmente, de 2007 a 2009, cerca de R$ 8,5 milhões em passagens aéreas para si, familiares, assessores e conhecidos – muitas delas a passeio. De acordo com documentos incluídos nos inquéritos, 43 ex-parlamentares chegaram a ter mais de 200 bilhetes emitidos em nome de terceiros durante o período investigado. No Exterior, os destinos mais comuns eram Miami, Paris e Buenos Aires.
Como os envolvidos não exercem mais cargo público e, portanto, não detêm foro privilegiado, os casos serão julgados em primeira instância, na 12ª Vara Federal de Brasília, onde o juiz decide se acolhe ou não a denúncia.
Também aparecem nos inquéritos enviados à Justiça a secretária de Políticas para as Mulheres do governo Temer, Fátima Pelaes, o ex-ministro do governo Lula e ex-presidente do PT, Ricardo Berzoini, o ex-ministro dos governos Lula e Dilma, Aldo Rebelo, e o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha.
Ainda estão em análise pela Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) outros 19 inquéritos envolvendo cerca de 50 ex-congressistas, que também podem, no futuro, ser denunciados.
Após o escândalo, a Câmara mudou as regras para os gastos com passagens de avião e especificou que os bilhetes poderiam ser adquiridos apenas para o próprio parlamentar, para seus dependentes e para assessores, mas apenas se a viagem estiver relacionada ao exercício do mandato parlamentar.
Gaúchos denunciados
Segundo os procuradores, Beto Albuquerque teria gasto de forma irregular R$ 44,5 mil, em 75 passagens. Luciana Genro, por sua vez, R$ 197,1 mil, em 233 passagens. À época, descobriu-se que ela havia bancado passagens para que o delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, responsável pelas investigações da Operação Satiagraha, palestrasse no Rio Grande do Sul sobre a luta contra a corrupção.
Em nota, Luciana afirma que seu mandato tinha, como regra, utilizar as passagens para fazer política e apoiar lutas, como a luta contra a corrupção, e afirma que ficará à espera de a Justiça aceitar ou não a denúncia.
"Aguardarei com tranquilidade a decisão do juiz, se ele aceitará a denúncia ou não, e também o acesso aos argumentos do MPF para me denunciar por usar passagens aéreas de forma absolutamente legal na época. (O) Uso que fiz (foi) de forma totalmente condizente com as necessidades políticas do meu mandato. O MPF faz o seu trabalho oferecendo a denúncia, o juiz deverá fazer o dele, aceitando ou não a denúncia, e eu farei o meu, demonstrando a legalidade e a moralidade da minha conduta", escreveu Luciana.
Por meio de comunicado enviado por sua assessoria de imprensa, Beto Albuquerque afirmou que sempre respeitou "rigorosamente as regras e os limites fixados pela Câmara dos Deputados.
Na esfera civil, 560 políticos são investigados
Se na esfera criminal apenas 72 ex-parlamentares foram denunciados pelo MPF, no âmbito civil, 560 políticos, incluindo parlamentares na ativa, seguem alvo de inquéritos. Nesses casos, os investigados não têm foro privilegiado, e o principal objetivo é devolver aos cofres públicos o valor gasto em passagens. O número é maior do que as denúncias criminais porque, para os procuradores, nem todos os envolvidos merecem ser punidos criminalmente.
Caso as infrações sejam provadas, os ex-parlamentares estão sujeitos a penas como o ressarcimento integral do dano e o pagamento de multa (que pode chegar a três vezes o valor do prejuízo), a perda da função pública, a suspensão de direitos políticos e a proibição de fazer contratos com o poder público.
Entenda o caso conhecido como "farra das passagens"
O escândalo da "farra das passagens" foi revelado em 2009. Segundo levantamento do site Congresso em Foco, 443 políticos compravam passagens aéreas, com dinheiro público, para fins não relacionados ao exercício de seu mandato. Foi descoberto que parlamentares bancavam viagens para si, para a família, para assessores e para conhecidos tendo como destino cidades internacionais – entre elas, Paris, Buenos Aires, Milão e Miami. Além disso, alguns chegaram a comercializar bilhetes com agências de turismo.
Em novembro do ano passado, a Procuradoria Regional da República na 1ª Região (PRR-1) denunciou 443 parlamentares por uso indevido do dinheiro público. Dos envolvidos, havia 18 ex-deputados e 13 deputados e ministros do Rio Grande do Sul.
Dos 443 investigados, cerca de 380 não tinham foro (muitos já não exerciam cargo público). Nestes casos, os inquéritos foram remetidos à Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF), que investigou casos a serem julgados em primeira instância.
A PR-DF investigou as cerca de 380 ex-políticos sem foro e, após um pente fino, e optou por denunciar 72 pessoas. Da lista de nomes, dois são gaúchos: Luciana Genro e Beto Albuquerque. Os demais tiveram crime prescrito ou se considerou que não se apropriaram de forma indevida de verba da Câmara.
Para filtrar as denúncias, o MPF usou como base alguns critérios. Como as regras para o uso de passagens à época do esquema não eram claras, a decisão de prosseguir com as investigações levou em conta o "interesse público". Por exemplo, o uso do dinheiro para pagar muitos bilhetes aéreos ou para bancar viagens da família para o Exterior foram vistos como atitudes mais graves.
Denúncias contra parlamentares com foro privilegiado estão em análise na Procuradoria-Geral da República (PGR).
*Zero Hora