Em roteiro de pré-campanha à Presidência, Ciro Gomes (PDT) desembarca nesta quinta-feira (24) em Porto Alegre. O postulante pedetista ao Planalto irá participar de uma caminhada no Centro, de um evento em memória a Getúlio Vargas na Assembleia Legislativa e, à noite, de uma palestra na Unisinos. Em conversa por telefone com Zero Hora, adiantou alguma das ideias que tem defendido para o país.
Quais seriam as bases do seu governo?
Um projeto de desenvolvimento, com três tarefas de fundo. Elevar o capital doméstico (taxa de investimento), que hoje é de 13%, 14% do PIB. Montar uma coordenação estratégica entre um Estado saneado e musculoso, porém enxuto, com uma iniciativa privada desenvolvimentista e uma universidade engajada na produção das respostas técnico-científicas. O terceiro é investir em gente. A Colômbia tem 42% dos garotos de 18 a 25 anos no Ensino Superior. O Brasil, 16%. A virada é um programa de reindustrialização.
Como seria esse programa, se temos escassez de investimento público e privado?
O Brasil tem de resolver três contradições que nos proíbem de crescer: o passivo estrangulado das empresas privadas, o colapso das finanças públicas e o desequilíbrio nas contas externas. Daí escolho quatro blocos para reverter a desindustrialização: petróleo e gás, complexo industrial da saúde, agronegócio e defesa.
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Quais reformas são imprescindíveis?
Para elevar o nível de capital doméstico e sustentar o desenvolvimento, a fiscal e a política. Diante delas, pretendo me colocar como chefe de Estado. Abrirei mão até de minhas próprias convicções e me colocarei como mediador para convocar todos os pensamentos internacionais e locais, acadêmico, a legislação internacional comparada. Enfim, construir uma rede de mediações para recuperar a confiança popular e por fim marcar a solução. Se conseguir consenso, teremos feito história. Se não, pretendo mandá-las a plebiscito e referendo.
Mas que bases teriam essas reformas?
O Brasil tinha uma carga tributária de 27% do PIB e uma dívida pública de 38% do PIB. Oito anos da brincadeira neoliberal de Fernando Henrique elevaram a dívida para 78% do PIB. Puxada por isso, a carga tributária foi a 36,5%. O resultado é que hoje não se pode abrir mão de um centavo e o empresariado pede reforma tributária. Ao mesmo tempo, não querem tratar da dívida. Defendo diminuição da carga tributária sobre produção e investimento, e agravá-la sobre o consumo de luxo, heranças, doações, lucros e dividendos. É preciso ainda introduzir uma CPMF com alíquota de 0,38% e receita compartilhada com Estados e municípios. Já a Previdência precisa de um novo regime de capitalização. O desafio é a transição. Precisamos construir um regime de capitalização público, sob controle dos trabalhadores, administrado por coletivos meritocraticamente escolhidos e a eleição dos investimentos tem de ser feita mediante uma sólida agência de riscos publicamente controlada.
Qual seria a sua base no Congresso?
Não sei. Depende. Na tradição do presidencialismo brasileiro, nenhum presidente deixou de se eleger com esmagadora maioria. Foi assim com Lula, Fernando Henrique e Collor.
Mas é possível governar sem ficar refém do centrão?
A questão é ajuizar isso na eleição, moderar promessas e entrar propondo. Qualquer presidente que propôs na primeira hora passou o que quis. O Collor fez um sequestro na poupança por Medida Provisória, o Congresso apoiou e o Judiciário sequer reagiu. O Fernando Henrique nunca propôs nada que não conseguisse passar, inclusive a reeleição com base na compra de votos. O Lula nunca propôs reforma nenhuma porque trocou a experiência arriscada de governar o país por microprojeto de poder.
Nessa polarização política que o país vive, como se credenciar com alternativa viável a um eleitorado cansado da dicotomia PSDB-PT?
Com a ideia e o exemplo. Essa polarização está vencida, reduziu o país a uma disputa mesquinha entre coxinhas e mortadelas, e o Brasil não cabe nisso. Estamos indo para o brejo. É preciso que o país tenha outra ideia, outra premissa política e é preciso que o povo recupere a confiança no sistema pelo exemplo. Ninguém leva um filho doente para um médico despreparado. Estamos fazendo no Brasil o elogio da ignorância, do despreparo, pelas simplificações grosseiras e pelo descuido com que se elege seus representantes.
E como enfrentar esse fenômeno dos outsiders de centro-direita?
Isso acontece por causa de um fenômeno que o Rio Grande do Sul conhece bem. O Piratini virou um mecanismo de destruição de lideranças. Onde a esquerda falhou, apareceu isso, porque a direita já havia falhado lá atrás. No Ceará, o PDT está ganhando todas. Nas eleições municipais, ganhamos 84% dos eleitores.
João Doria e Bolsonaro levaram ovadas. A Polícia Militar teve de atirar para cima para apartar uma briga durante visita do Lula a Salvador. Vamos ter uma eleição violenta?
Vamos. É uma cultura odienta, radicalizada, que o Doria ceva, que o Bolsonaro ceva. É mais um traço da irresponsabilidade desse estamento político.
Como se resolve isso, se às vezes os próprios candidatos estimulam a virulência com seus discursos?
Moderando a crítica, qualificando o debate por um caminho político e não pessoal e pedagogizando a cultura da paz, da tolerância, do respeito à diferença. É o que procuro fazer diariamente, sendo duro na crítica que faço aos meus adversários.
Como seria a sua reforma política ideal?
Advogo o sistema distrital misto, mas não faço questão. O importante é discutir dinheiro e política e introduzir, junto com plebiscito e referendo, o recall. É uma ferramenta de controle popular sobre o dia seguinte à promessa eleitoral mentirosa. Já o financiamento seria público mas, ao invés de entregar dinheiro aos partidos, dar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O tribunal padronizaria as linguagens de campanha, barateando drasticamente os custos. Não é razoável numa crise tremenda como agora você fazer distritão, aumentando os gastos e pessoalizando a disputa.
Como o senhor vê a proposta recente de semipresidencialismo?
Um golpe de canalhas.
Quais serão os reflexos da Lava-Jato nas eleições de 2018?
Depende muito do que for amadurecido até lá. Se ela virar uma Satiagraha (operação anulada pelo STF), com a absolvição do Lula, anulação de mais de 30% das sentenças no Tribunal Regional Federal, terá relevância menor. Se afirmar-se e conseguir evidenciar provas e não discurseira de juiz e promotor exibicionista, pode ser uma virada de página histórica.
O senhor acha que a esquerda está em crise no Brasil?
A esquerda petista está em crise grave. O PSB está em transe desde a morte do Eduardo Campos. O PPS abandonou o campo da esquerda há muito tempo na medida em que o Roberto Freire ficou dependente do PSDB de São Paulo. O PDT vai muito bem, obrigado.
O senhor revogaria alguma medida adotada pelo presidente Temer, como teto de gastos e reforma trabalhista?
O teto está sendo revogado naturalmente. É uma estupidez inominável, um monstrengo que se criou em cima da perna sem estudar nada. É impraticável. O Brasil tem uma realidade constitucional de despesas obrigatórias que não podem ser comprimidas por outra norma de mesmo status. A administração já está parando e estamos no primeiro semestre da lei. Ano que vem o país para. Quanto à reforma trabalhista: introduzir insegurança jurídica e econômica no mundo do trabalho nunca botou país nenhum para a frente. O maior custo por hora trabalho do mundo pertence à economia alemã, a mais competitiva do planeta. Essa jabuticaba do negociado prevalecer sobre o legislado será revogada logo na primeira semana.
Em 2002, o senhor liderava as pesquisas mas começou a despencar após dois episódios infelizes de destempero verbal. Como apagar essa imagem?
Não tô nem aí pra isso. Isso é mentira. Você está requentando isso porque não tem um escândalo para comentar, não tem uma experiência de governo em que eu tenha sido impopular. É a mídia amestrada do Brasil que replica isso. Se sou destemperado, o Bolsonaro é o quê? O Doria é o quê? Trabalho com palavra, como Ariano Suassuna. Se você chamar Chimbinha de gênio, qual palavra vai usar para falar de Beethoven?