Combater lavagem de dinheiro é a baliza da bem-sucedida carreira do delegado Ricardo Andrade Saadi, novo superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul. Natural que o combate a esses e outros tipos de delitos de "colarinho branco" seja sua prioridade na gestão, a primeira de sua carreira chefiando a PF num Estado.
– O Rio Grande do Sul tem peculiaridades como o contrabando e o tráfico, por ser Estado de fronteira, mas vamos dar atenção especial aos crimes financeiros – adianta Saadi, que toma posse nesta sexta-feira.
Paulista, 41 anos, Saadi é formado em Direito e Economia e doutor em Direito Político e Econômico. Na sua tese, abordou a destinação dos bens apreendidos com criminosos e a necessidade de agilizar esse processo – inclusive destinando dinheiro à educação de presos –, antes que os objetos apodreçam sem uso.
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Saadi é da nova geração de policiais. Ingressou na PF, já como delegado, em 2002 e foi direto trabalhar contra crimes financeiros, em São Paulo, quando o superintendente era o gaúcho Leandro Daiello, hoje diretor-geral da PF. Fez curso no FBI (polícia federal dos EUA) e participou de episódios famosos: prendeu o dono do Banco Santos por lavagem de dinheiro, refez o inquérito da Operação Satiagraha (que prendeu o banqueiro Daniel Dantas), investigou lavagem de dinheiro pelo traficante colombiano Juan Carlos Abadia (preso no Brasil e suspeito de mais de cem homicídios) e atuou na Operação Lava-Jato. Nesse último e famoso caso, atuou como chefe do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, onde permaneceu até o início de 2017. Saadi encaminhou mais de 200 pedidos de cooperação jurídica internacional relacionados à Lava-Jato, do Brasil com o Exterior e de outros países com o Brasil.
Foi na convivência com policiais gaúchos, em São Paulo, que adquiriu o hábito de tomar chimarrão. E foi entre goles do amargo que recebeu Zero Hora para uma entrevista, realizada na quinta-feira em seu novo gabinete em Porto Alegre. Apesar do gosto pelo mate, não é gremista e nem colorado: é são-paulino, avisou, em meio a sorrisos dos assessores.
Veja abaixo os principais pontos abordados na conversa:
Lições da Satiagraha
"Convivi muito com o Protógenes Queiróz (delegado que prendeu o banqueiro Daniel Dantas por movimentação financeira oculta e, posteriormente, caiu em desgraça na PF – o policial foi condenado e hoje está foragido). Uma das lições daquele episódio é o de saber o momento certo de deflagrar uma operação e ter elementos concretos, não se pode agir com pouquíssimas provas. Baseado apenas em um HD apreendido, por exemplo. Aprendemos muito com aquele inquérito, conseguimos coisas boas."
Tecnologia para rastreamento de dinheiro sujo
"Antes dos anos 2000 não existia o Cadastro Único dos Correntistas do Banco Central. Quando precisava saber onde alguém tem conta, mandava um ofício para cada instituição financeira e esperava meses, por exemplo. Hoje, graças a convênios entre instituições de controle do sistema financeiro, consigo a informação na mesma hora. O mesmo com quebra de sigilo bancário: antes eu trabalhava numa sala recheada do chão ao teto por planilhas Excel com extratos de contas. Agora recebo isso online e, mediante determinados programas, identifico padrões de saque bancário do suspeito, remessas, etc. A PF, aliás, tem laboratórios técnicos de lavagem de dinheiro, um deles montado por iniciativa própria no RS, equipamentos foram comprados."
Melhora na cooperação internacional
"A legislação determina que o dinheiro de lavagem só seja devolvido após trânsito em julgado (condenação do réu em última instância). Mas ocorreram duas mudanças, para melhor. A primeira é que, via colaboração premiada, delatores têm autorizado por escrito ao governo a devolução de dinheiro que eles mantêm no Exterior (Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras, devolveu US$ 100 milhões mediante acordo). A outra é que os próprios países onde o dinheiro foi colocado têm aberto investigações contra os criminosos brasileiros que lá escondem o fruto do desvio da verba pública. É o caso de dinheiro desviado por um juiz durante a construção do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) paulista e da Operação Anaconda (venda de sentenças por parte de outro magistrado). A Suíça abriu processo contra os brasileiros envolvidos e devolveu parte do dinheiro lavado em seus bancos pelos criminosos, antes de os processos no Brasil serem finalizados. Isso foi impulsionado pela cooperação internacional, sobretudo após os atentados de 11 de Setembro de 2001 (em Nova York)."
Meta para o RS
"Nosso objetivo é manter o ótimo trabalho que tem sido feito. O Estado tem peculiaridade de ter muitas fronteiras, então temos que atacar todos os crimes típicos de fronteira, como tráfico de drogas, tráfico de armas e contrabando, e dar atenção especial aos crimes de desvio de recurso públicos, crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. O Rio Grande do Sul foi o Estado que mais operações da PF teve em 2016: 71. Queremos manter a performance e, para isso, pedimos um estudo de efetivos policiais, para direcioná-lo aonde for melhor."
Lava-Jato no RS
"Está chegando em novo estágio em que os procedimentos estão sendo distribuídos a diversos Estados. O Rio Grande do Sul, assim como outros Estados, vai receber esses procedimentos. Nós temos uma equipe extremamente qualificada, que está pronta para resolver essas investigações da melhor forma possível."
Reflexos da Lava-Jato para o país
"Está sendo extremamente positiva. Tem demonstrado que as instituições brasileiras funcionam, a Polícia Federal, o Ministério Público, a Receita Federal e outras. As delações geraram uma demanda exponencial de investigações. E tem sido positivo para o país ver esse trabalho."